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Mecanismos da hipertrofia muscular: As vias moleculares (cascata hipertrófica)

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Prof. Dr. Wellington Lunz

Como disse nos últimos posts, os ‘mecanismos da hipertrofia muscular’ associados aos exercícios de força ou contrarresistência não estão associados apenas aos estímulos (ex: estresse tensional, estresse metabólico e microlesões). Já fiz posts sobre esses sugestivos ‘estímulos’. Basta clicar em cada um para compreender melhor.

E você perceberá durante a leitura que, aparentemente, só o estresse tensional é realmente um estímulo direto.

Eu considero os ‘estímulos’ como o primeiro nível de sinalização à hipertrofia muscular associada ao exercício. No segundo nível teríamos os ‘sensores’, com destaque aos mecanossensores, que falei no post anterior (aqui). E no terceiro nível temos a ‘cascata hipertrófica’ (vias moleculares), que é o assunto de hoje.

Em relação as vias moleculares, devo antecipar que o assunto é complexo e caminha para o infindável. Dá para escrever livros imensos só com isso. Por isso vou destacar o que acredito ser essencial.

A via molecular mais clássica relacionada a hipertrofia muscular induzida pelo exercício é a via IGF-1/PI3K/Akt/TOR/p70S6k1.

Atualmente sabe-se que essa via PI3K/Akt/TOR/p70S6k1 não é ativada só pelo fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1). Mas como o IGF-1 é um sinalizador famoso e clássico, e nos permite um exemplo que começa no limite (membrana) da célula, vale a pena falar disso.

A via IGF-1 é ativada quando algumas moléculas (ligantes) específicas se ligam ao receptor de IGF-1, que por sua vez induz a transfosforilação e o recrutamento do substrato-1 do receptor da insulina (IRS-1).

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O IRS-1, por sua vez, ativa a via PI3K/Akt, que é a via de ativação mais famosa da proteína TOR (target of rapamycin), que em mamíferos é mais conhecida como mTOR (mammalian target of rapamycin).

A TOR é uma proteína quinase serina/treonina que tem dois complexos proteicos: TORC1 e TORC2. Às vezes são chamados de mTORC1 e mTORC2. Sabe-se que o complexo TORC1 é um regulador chave da síntese de proteínas.

O complexo TORC1 fosforila a proteína ribossomal S6 quinase-1 (S6K1; mais conhecida como p70S6k1) e outras proteínas ligantes ao fator 4 de iniciação da tradução eucariótica (EIF4), como o caso da 4E-BP1. Essas duas últimas etapas são chaves na regulação ribossomal, permitindo a tradução proteica.

A via PI3K/Akt/mTOR/p70S6k1 é certamente importante na síntese proteica associada ao exercício de força (Roberts et al., 2023). Mas não é a única via.

De fato, há evidências de que dependendo do tipo de estímulo (ex: elétrico), a inibição da mTOR pela rapamicina não anula totalmente a hipertrofia muscular.

Outra via molecular sugerida para a hipertrofia muscular induzida pelo exercício de força é da 'proteína quinase ativada por mitógeno' (MAPK). MAPKs são uma família de quinases serina/treonina subdivididas em três classes principais:

(1) Quinases reguladas por 'sinal extracelular' 1 e 2 (ERK1/2) (embora podem ser também reguladas por 'sinal intracelular').

(2) Quinases N-terminal c-Jun (JNK).

(3) p38-MAPK (a p38 é uma proteína específica).

Todas essas MAPKs têm múltiplas funções, e parecem contribuir para a hipertrofia muscular induzida por exercício. 

As JNKs ativam a via mTOR e fatores de transcrição diretamente, enquanto a anulação das JNK1 e JNK podem impedir a hipertrofia muscular associada a sobrecarga (ex: ablação sinergista). Sabe-se também que o exercício de força induz fosforilação da JNK1/2 em animais e humanos (Roberts et al., 2023).

Há menos evidências para a ERK1/2 e p38, mas em relação a ERK1/2 sabe-se que o exercício de força induz fosforilação da ERK1/2 em animais e humanos.

Outro possível mecanismo molecular de explicação para hipertrofia muscular induzida por exercício de força ou contrarresistência é pela proteína 'Hippo' (outra quinase). E por que esse nome? É que a mutação no gene que expressa a Hippo induz um crescimento tão excessivo que se "assemelharia" a um hipopótamo. Claro que é figura de linguagem (hipérbole), mas fica fácil entender que está associada ao crescimento de massa.

Sabe-se que a Hippo é uma proteína mecanossensora. Por isso poderia contribuir para a sinalização da hipertrofia muscular (Attwaters e Hughes, 2021). Mas ainda faltam evidências diretas.

Outra possível via estaria associada ao íon cálcio (Attwaters e Hughes, 2021). O cálcio é o maior 'segundo mensageiro' em células musculares esqueléticas; é essencial à contratilidade; participa da proliferação de mioblastos; é componente essencial de várias vias de sinalização gênicas; há fatores de transcrição regulados especificamente por cálcio.

Os esforços físicos associados a hipertrofia muscular estão associados a uma maior cinética do cálcio (ex: liberação citosólica de cálcio). Os mecanismos associados ao cálcio poderiam ser explicados por pelo menos 3 vias (Attwaters e Hughes, 2021):

 >> Via proteína quinase II dependente de cálcio-calmodulina (CaMKII).

>> Via proteína quinase C (PKC).

>> Via calcineurina (Cna).

Resumidamente, a CaMKII é uma serina/treonina regulada pelo complexo cálcio/calmodulina. A calmodulina é uma proteína que dá "poderes adicionais" ao cálcio quando ligada a ele. A PKC é uma família de enzimas envolvidas em várias cascatas de sinalização. A Cna é uma fosfatase citoplasmática dependente de cálcio que ativa vários fatores de transcrição.

Após liberado pelo retículo sarcoplasmático, o cálcio ativa as vias CaMKII, PKC e Cna. E essas vias ativam fatores de transcrição (ex: Mef2, NFATs, Srf) e o co-ativador transcricional PGC-1alfa4.

A Cna é a mais estudada. Mas apesar da associação da via Cna-NFAT com hipertrofia do miocárdio, os resultados relacionados a hipertrofia muscular esquelética são contraditórios.

A CaMKII já foi associada a HM induzida por alongamento, mas ainda não dá para bater o martelo.

A via PKC é promissora, pois promove fosforilação da p70S6K, e já foi associada à hipertrofia muscular por sobrecarga (ablação sinergista) e a super expressão de PKC em modelo transgênico causou 28% de hipertrofia muscular do miocárdio num dado estudo experimental (ver a revisão de Roberts et al., 2023).

Mas é preciso reconhecer que investigar a relação 'cálcio e hipertrofia muscular' é bem difícil, uma vez que a liberação de cálcio é essencial para a própria contratilidade, a qual é chave para a hipertrofia muscular. Ou seja, como cientificamente manipular o cálcio sem alterar a contratilidade? (e vice-versa). Por isso não é possível afirmar convictamente sobre tal relação.

Mas esse universo molecular é bastante complexo. Há ainda sugestões de vários outros mecanismos moleculares associados a hipertrofia muscular induzida por exercício contrarresistência, com destaque: Algumas miocinas (Das et al., 2020; Cornish et al., 2020); aminoácidos derivados da própria proteólise induzida pelo exercício (Wackerhage et al., 2019); células satélites (Petrella et al., 2008; Snijders et al., 2020).

Devemos também lembrar que há vias moleculares que contrarregulam a hipertrofia muscular. Ou seja, que freiam o processo hipertrófico. E, óbvio, isso afeterá o efeito hipertrófico induzido por um treinamento físico para induzir hipertrofia. Por exemplo, a via da miostatina ativa as proteínas Smad e algumas MAPKs, que podem ativar as proteínas atrogina e MuRF1. Aliás, a inibição das Smad2/3 é suficiente para promover crescimento muscular (Sartori et al., 2021). Além disso, a via da miostatina inibe a PI3K. Tenho um post bem legal explicando mais sobre a vias relacionadas a miostatina, que é esse aqui: 'O que EMAGRECE é o músculo, estúpido!'

A via TNF-alfa também pode estimular vias atróficas, como a MuRF1 (Erskine e Degens, 2013). A AMPK, quinase cuja atividade é aumentada pelo estresse energético (ex: privação energética), bloqueia a mTORC1, ativa a via FoxO, que é um fator de transcrição de atrogenes, e ativa o sistema de autofagia (Sartori et al., 2021). Em resumo, o processo de promoção de hipertrofia também precisa contabilizar esse freio biológico.

A propósito, fiz um post há algum tempo intitulado ‘CATABOLISMO: A importância do sistema proteolítico’, onde destaco os 3 principais sistemas proteolíticos: Ubiquitina-proteossoma, autofágico-lisossomal e clivagem de proteína mediada por caspase. Vale a pena ler para compreender esses sistemas, inclusive para perceber que o catabolismo é importante para a vida celular e até mesmo para a própria hipertrofia.

Também está muito claro que as capacidades de recepção dos estímulos, respostas gênica e ribossomal diferem muito entre pessoas (Petrella et al., 2008; Morton et al., 2018; Hammarström et al., 2020).

Muito importante destacar que essas vias hipertróficas discutidas aqui não são excludentes. As questões que a ciência ainda se dedica são sobre se, de fato, todas essas vias participam da hipertrofia, a magnitude de importância de cada uma e se há outras vias a se descobrir.

Não me dediquei a fazer uma ilustração dessas vias moleculares da hipertrofia porque há muitos bons artigos com ilustrações melhores do que eu poderia fazer. Algumas boas ilustrações estão em artigos que citei aqui nesse post, mas se você jogar em qualquer buscador (ex: Google) algo como ‘mechanisms of hypertrophy’, e depois clicar em ‘imagem’, verá várias ilustrações vindas de muitos artigos.

Então é isso, amiga e amigo... Obrigado por acompanhar até aqui. E se você gostou, compartilhe com colegas e amigos/as ou em suas redes sociais. Quem quiser receber as novas postagens deste Blog, basta clicar aqui para se inscrever na Newsletter.

E, como habitual, em tempos de escritas por inteligência artificial (ex: chatGPT e Gemini), vale dizer que essa postagem não usa isso... é feita exclusivamente das minhas leituras e interpretações ao longo da minha trajetória. E se quiser citar este post, pode ser mais ou menos assim:

Lunz, W. Mecanismos da hipertrofia muscular: As vias moleculares (cascata hipertrófica) Ano: 2024. Link: https://www.wellingtonlunz.com.br/post/vias-moleculares-da-hipertrofia [Acessado em __.__.____].

 
professor wellington lunz

Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Tem se dedicado em transmitir conhecimentos baseados em evidências em diferentes áreas do conhecimento (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site ou e-mail: welunz@gmail.com.br  





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