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Treinar com a musculatura alongada gera mais hipertrofia muscular?

Atualizado: 8 de jul.


hipertrofia muscular com músculo alongado

Prof. Dr. Wellington Lunz

Vários estudos científicos com evidência direta têm mostrado que treinar com a musculatura mais alongada induz maior hipertrofia muscular esquelética quando comparado a treinar com a musculatura encurtada (Oranchuk et al., 2019; Sato  et al., 2021; Maeo et al.; 2021 e 2022; Pedrosa et al., 2022; Kinoshita et al. 2023).

Maior hipertrofia muscular do bíceps braquial, do braquial, do reto femoral e do vasto lateral, quando estes músculos foram treinados mais alongados, foi demonstrada pelo mesmo grupo de pesquisa (Sato  et al., 2021, Pedrosa et al., 2022).

Maeo et al. (2021) verificaram que treinar usando a cadeira flexora induziu maior hipertrofia nos músculos biarticulares posteriores da coxa em comparação a treinar usando a mesa flexora. A aparente explicação dessa diferença é que, na cadeira flexora, os músculos biarticulares trabalham mais alongados em comparação a mesa flexora, em virtude da posição do quadril mais flexionada no caso da cadeira flexora.

Outro resultado desse mesmo estudo que fortalece essa inferência é o fato do músculo sartório, que também é um flexor do joelho, ter hipertrofiado mais na mesa flexora, pois, o músculo sartório, trabalha mais alongado na mesa flexora comparado a cadeira flexora.

Em 2022, o mesmo grupo de estudo (Maeo et al. 2022) publicou outro artigo em que o resultado principal foi que a cabeça longa do tríceps braquial, a qual treinou mais alongada, hipertrofiou 50% mais que as demais cabeças do tríceps braquial.

Recentemente esse mesmo grupo japonês de pesquisa (Kinoshita et al., 2023) publicaram resultados ainda mais robustos em favor de treinar com a musculatura mais alongada. Deixe-me contextualizar primeiro:

O músculo tríceps sural é formado pelos gastrocnêmios e sóleo. A flexão plantar é realizada por ambos os músculos. Há tempos sabemos que quando os joelhos estão flexionados, os gastrocnêmios, que são bi-articulares (cruzam o joelho) ficam mais encurtados. Por outro lado, o músculo sóleo não modifica seu comprimento, pois não cruza a articulação do joelho.

Isso significa que treinar o tríceps sural com joelhos flexionados (gastrocnêmios encurtados) vs joelhos extendidos (gastrocnêmios alongados) é um bom modelo para testar se realmente treinar mais alongado é importante para hipertrofia muscular.

E foi exatamente isso que Kinoshita et al. (2023) fizeram; 7 mulheres e 7 homens jovens, não treinados previamente, fizeram 12 semanas de treinamento de hipertrofia para o tríceps (5 séries de 10 reps; 70% de 1RM; 2 x/semana; medida via ressonância magnética), sendo que uma perna de cada participante treinou com um joelho extendido (em pé) e a outra perna com joelho flexionado 90° (sentado). E os resultados deixam pouca margem para dúvida:

As alterações no volume muscular para os gastrocnêmios foram muito maiores para a perna que treinou com joelho extendido (aumento de 9,2% a 12,2%) vs treinar com joelho flexionado (aumento de 0,6% a 1,7%). Por outro lado, não houve diferença significativa para o sóleo (2,1% vs. 2,9%).

Embora na prática temos há tempos contraindicado a máquina ‘panturrilheira’ para hipertrofiar os gastrocnêmios, apenas agora, em 2023, isso foi confirmado com este estudo científico.

A única surpresa desse estudo foi o fato de que treinar sentado ou em pé não fez diferença para o sóleo. Dessa forma, treinar com joelho extendido gerou maior volume para o tríceps sural, e, talvez, a máquina panturrilheira seja dispensável de um espaço de treinamento para hipertrofia.

A inferência de que músculos que treinam mais alongados alcançam melhores resultados de hipertrofia muscular também pode ser feita a partir de evidências indiretas.

Por exemplo, o exercício agachamento induz pouca hipertrofia dos músculos biarticulares da coxa, tanto da região anterior (reto femoral) (Bloomquist et al., 2013; Fonseca et al. 2014; Earp et al., 2015; Pareja-Blanco et al., 2017; Kubo et al., 2019; Zabaleta-Korta et al., 2021) quanto da região posterior (Bloomquist et al., 2013; Kubo et al., 2019; Yasuda et al., 2013). E por que isso permite inferir que treinar com a musculatura mais alongada gera mais hipertrofia?

Porque durante o exercício agachamento, em especial nas fases de maiores torques resistivos, ocorrem flexões concomitantes do quadril e joelho, fazendo com os músculos biarticulares da coxa trabalhem mais encurtados.

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Por outro lado, as máquinas de força de extensão e flexão dos joelhos, onde os músculos biarticulares da coxa trabalham mais alongados, induzem boa hipertrofia nesses músculos (Bloomquist et al., 2013; Matta et al., 2015; Kubo et al., 2019; Maeo et al., 2021).

Então, esse conjunto de evidências permite interpretar com bom grau de confiança que impor resistência ao músculo mais alongado é determinante para produzir bons resultados de hipertrofia muscular esquelética. Mas devo alertar para uma confusão de interpretação que andei vendo nas redes sociais.

Vi pessoas sugerindo que treinar com a musculatura alongada seria melhor para hipertrofia muscular do que treinar em toda amplitude de movimento.

Mas, na verdade, o que a maioria desses estudos mostra é que treinar com toda amplitude do movimento ou apenas na fase mais alongada gera resultado similar de hipertrofia.

Claro que do ponto de vista da eficiência temporal faria mais sentido treinar só na fase alongada. Afinal, para que treinar em toda amplitude de movimento se treinar apenas numa fase gera o mesmo resultado? Veja uma analogia:

'É mais ou menos como optar entre um caminho mais longo ou um atalho para se chegar a um mesmo lugar. Se a única diferença entre os dois caminhos for a distância, é mais razoável ir pelo atalho. Mas isso não significa afirmar que o caminho mais longo não te leve ao mesmo lugar.'

Então, é preciso interpretar certinho para não fazer extrapolações e afirmações erradas.

Mas veja que estou falando de hipertrofia muscular. Não dá para afirmar que treinar apenas na fase alongada gerará a mesma transferência de desempenho motor em atletas, por exemplo. Isso é outra coisa, e que ainda precisa de investigações.  

Particularmente já faço vários exercícios cumprindo apenas a fase mais alongada da musculatura, tendo obviamente o cuidado de impor bastante torque nessa fase. Afinal, é preciso esforço para a musculatura responder com hipertrofia (sobre isso, sugiro que depois leia meu post: Por que a hipertrofia acontece em resposta ao treinamento de força?).

Apesar desse somatório de evidências, ainda não está claro os mecanismos de explicação. Afinal, por que treinar a musculatura na fase alongada é melhor para o aumento da massa muscular quando comparado a treinar com a musculatura encurtada?

Ninguém tem ainda essa resposta, mas vou apresentar uma hipótese para refletirmos sobre sua plausibilidade.

Sabemos que quando o músculo trabalha muito encurtado ocorre grande perda da competência muscular ou eficácia mecânica (Kawakami et al., 1998Maganaris et al.,  2003; Hali et al., 2021). Por exemplo, os músculos gastrocnêmicos, quando estão muito encurtados, podem perder aproximadamente 60% de força.

E tem crescido as evidências em favor da teoria do sincronismo ou compatibilidade neuromecânica (neuromechanical macthing). E sobre essa teoria eu dediquei um post todinho recentemente (está aqui). Muito resumidamente, essa teoria sustenta que, durante uma ação motora, o sistema neuromotor opta sempre por selecionar unidades motoras com maior eficiência mecânica.

Essas evidências parecem robustas em músculos respiratórios paraesternais intercostais, onde a eficiência mecânica é estimada exatamente pelo alongamento e orientação das fibras musculares, uma vez que músculos mais alongados geram maior trabalho (Trabalho = força x distância).

Essa história de perder competência mecânica quando o músculo está muito encurtado, e de ganhar competência quando está mais alongado (que é diferente de ‘excessivamente alongado’), está relacionada a clássica relação força-comprimento muscular, descrita por A.F. Huxley (Nobel em 1963) e colaboradores com excelente precisão para a época.

Embora Huxley foi laureado com o Nobel em 1963, os artigos que descrevem essa relação são de 1966 (este e este artigo).

A figura abaixo retrata exatamente essa relação descrita por Huxley et al. Perceba que existe uma relação entre comprimento sarcomérico (ou muscular) e força. Quando muito encurtado ou excessivamente alongado, há perda de desempenho. 


curva força comprimento huxley wellington lunz
Ilustração da relação força-comprimento sarcomérica (adaptada de Knudson, 2006). Nota: Unidades de medidas foram intencionalmente omitidas porque tendem a variar mais que o comportamento.

Hoje sabemos que é exatamente quando o músculo esquelético humano está levemente alongado que ele tem a maior capacidade de produzir força.

Juntando tudo isso, minha hipótese é que a maior hipertrofia muscular induzida pelo treinamento com músculo mais alongado esteja associada ao maior trabalho muscular de unidades motoras com melhor eficiência mecânica; e, hipoteticamente, é explicada (no nível micro) pela maior interação actomiosina, já que essa maior produção de força tem a ver exatamente com o overlapping (sobreposição) actina-miosina. Mas, obviamente, em sendo hipótese, precisará de fatos derivados de investigações futuras.

E, para concluir, tudo isso que falei acima vai contra uma coisa que sinceramente não sei de onde tiraram, e que chamam de ‘pico de contração’. Vi nas redes sociais e diversos sites, tanto no Brasil como em outros países, profissionais prescrevendo treinamento com ênfase num dado momento angular, o qual chamam de ‘pico de contração’. Esse momento angular é exatamente quando o músculo está mais encurtado.

Por exemplo, suponha que você fará uma rosca bíceps (biceps curl), então o ‘pico de contração’ seria exatamente ao final da fase concêntrica, quando cotovelo está o mais flexionado possível. E nesse momento angular os profissionais pedem para o cliente sustentar por mais tempo.

Desafio a me enviarem trabalhos científicos que provem que fazer isso seja melhor para qualquer coisa. Nunca achei nada sério sobre isso. E não bate com todas essas evidências que apresentei nesse post. Se fosse para sustentar por mais tempo em algum ponto angular, a hipótese mais razoável seria exatamente na fase mais alongada, não encurtada.

Essa minha afirmação bate com a revisão de Oranchuk et al. (2019), os quais mostraram maior hipertrofia quando o músculo é isometricamente sustentado mais alongado. Portanto, contraria o tal 'pico de contração'.

Sinceramente, tenho a impressão de que a suposta maior hipertrofia induzida pelo ‘pico de contração’ é só fruto de ‘pico de imaginação’.

Se um dia me enviarem trabalhos provando que esse negócio chamado ‘pico de contração’ é melhor para qualquer coisa, eu volto aqui é mudo essa história (se ainda não mudei, é porque não me enviaram e não achei nada). 

Então é isso amiga e amigo... E se você gostou, compartilhe com colegas e amigos/as ou em suas redes sociais. E quem quiser receber as novas postagens deste Blog, basta clicar aqui para se inscrever na Newsletter.

E, como habitual, em tempos de escritas por inteligência artificial (ex: chatGPT e Gemini), vale dizer que essa postagem não usa isso... é feita exclusivamente das minhas leituras e interpretações ao longo da minha trajetória. E se você quiser citar este post, pode ser mais ou menos assim:

Lunz, W. Treinar com a musculatura alongada gera mais hipertrofia muscular? Ano: 2024. Link: https://www.wellingtonlunz.com.br/post/treinar-com-a-musculatura-mais-alongada-gera-mais-hipertrofia [Acessado em __.__.____].

 
professor wellington lunz

Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Tem se dedicado em transmitir conhecimentos baseados em evidências em diferentes áreas do conhecimento (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site ou e-mail: welunz@gmail.com.br  





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5 Comments

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Luiz Fernando Pezzi
Luiz Fernando Pezzi
Jun 17

Boa tarde professor!

Até onde já estudei, a hipótese geral mais aceita é de que com o músculo alongado existe maior tensão mecânica em função da adição de parcela de tensão passiva.

Achei interessante o link que você fez com a questão de também ser o ponto de "maior vantagem mecânica". Superficialmente, faz sentido.

Mas sim, a maioria dos estudos apenas compara long vs short, e os que comparam long vs full apresentam resultado similar.


Em relação ao pico de contração, costumo prescrever para minhas alunas mas com a intenção de aprendizado motor para a contração de determinado grupos musculares... indiretamente podendo causar hipertrofia à longo prazo pois a aluna vai estar de fato contraindo o músculo alvo.


Muitos praticantes…


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Blog Prof. Wellington Lunz
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Jun 18
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Luiz, você não está na minha Newsletter? Se desejar, me envia seu email que eu incluo lá! Muito bom conversar contigo.

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Renata Leal da Silva
Renata Leal da Silva
Jun 17
Rated 5 out of 5 stars.

Gostei do "pico de imaginação" kkkkk Faz referência a muita coisa que a gente vê por aí nas academias 🙃

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Blog Prof. Wellington Lunz
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Jun 18
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Obrigado por prestigiar, Renata 😊 De fato, tem havido muita imaginação e pouca dedicação aos fatos.

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