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Treinamento Resistido: Isso realmente existe?

Treinamento resistido é certo ou errado

Prof. Dr. Wellington Lunz

Sabemos que a língua modifica-se no curso da história. É algo vivo. De tanto algumas palavras ou expressões “erradas” serem usadas, elas podem adquirir o status de “certas”.

Gosto da interpretação de alguns filósofos de que o ser humano se difere dos demais animais, principalmente pela capacidade consciente de frequentemente ‘não querer’ ser aquilo que foi biologicamente programado para ser.

Um ser um humano reflexivo tem a capacidade de ir contra a corrente, contra a massa, contra a moda, contra até mesmo sua biologia.

Frequentemente me vejo na contramão. Provavelmente eu seja sentenciado como ‘o errado’, mas não me importo! Gosto do sentido do meu caminho porque há nele um sentido lógico. 

Sempre que participo de bancas acadêmico-científicas (ex: TCC, Mestrado, Doutorado) sobre o tema, e eu implico com a expressão ‘Treinamento Resistido’. Dado que a língua é viva, nunca exijo que os candidatos mudem a expressão, mas sempre os questiono sobre a origem e a validade dessa expressão.

Sinceramente eu não sei de onde veio a expressão ‘Treinamento Resistido’. A minha principal suspeita é que se trata de um erro de tradução da expressão inglesa ‘Resistance Training’.

Na verdade, ‘Treinamento Resistido’ seria a tradução correta para ‘Resisted Training’ (raramente usada), e não para ‘Resistance Training’.

No português e inglês, a palavra ‘resistido’ (resisted) é particípio passado (past participle) do verbo resistir. Isso você pode confirmar em qualquer dicionário. 

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Em português, a tradução correta para ‘Resistance Training’ seria ‘Treinamento de Resistência’. No espanhol seria ‘Entrenamiento de Resistência’, e em italiano seria ‘Allenamento di Resistenza’. Ou seja, parece que a língua latina traduz ‘resistance’ como ‘resistência’ ou com grafia bem parecida.

E por que eu suspeito que o ‘Treinamento Resistido’ venha de ‘Resistance Training’?

Primeiro que o inglês é o idioma dominante na ciência. Segundo que não há na história da nossa literatura brasileira relacionada ao treinamento físico ou esportivo o uso de ‘resistido’. Terceiro que não faria sentido um brasileiro usar ‘resistido’, porque o particípio passado expressa o resultado de uma ação já concluída. E, convenhamos, treinamento não está confinado no passado.

Há divergência entre os gramáticos se existiria também ‘particípio presente’ e ‘particípio futuro’. A maioria entende que só existe ‘particípio passado’, e que o restante seria classificado como adjetivo ou substantivo.

Mas, de qualquer modo, o ‘particípio presente’ seria geralmente formado com as terminações -ante, -ente e -inte, como, por exemplo, "provocante", "presidente" ou "pedinte". Ou seja, o particípio presente do verbo resistir teria que ser ‘resistente’. E ‘treinamento resistente’ ninguém sugeriu ainda (até achei que não soa mal).

O particípio futuro teria a terminação -uro, como "duradouro" ou “vindouro”. E, creio, não cabe ao verbo ‘resistir’ algo assim.

Na voz passiva é possível usar o particípio passado como adjetivo. O ‘particípio adjetivo’ é uma forma verbal usada para qualificar ou descrever um substantivo.

Mas, normalmente, nesses casos o particípio vem depois de um verbo. Por exemplo: “cheguei atrasado na aula”; “as janelas estão abertas”, “ela tem encantado o público”, “o réu foi absolvido”. Como ‘treinamento’ não é verbo, colocar o ‘resistido’ após treinamento se desviaria dessa lógica. 

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​A única possibilidade que vejo de justificar a expressão ‘Treinamento Resistido’ seria considerar que o particípio passado pode, às vezes, adjetivar um substantivo. Exemplo: ‘copo quebrado’, ‘carta escrita’, ‘livro lido’, ‘camisa manchada’, ‘casal separado’, etc.

Mas repare que mesmo nesse caso o particípio adjetivo ainda continua sendo usado para descrever algo que  ocorreu. Copo quebrado é porque já quebrou. Carta escrita é porque alguém escreveu. Livro lido é porque alguém leu. E assim por diante.

Então, como colocar o ‘Treinamento Resistido’ no presente e futuro?

Imagine frases como: “Irei começar um treinamento resistido amanhã”, ou “Meu atleta fará um treinamento resistido mês que vem”.

Não sou gramático, mas​, para mim, não faz sentido colocar particípio passado num contexto futuro, mesmo como adjetivo. Dei exemplo de futuro, mas não caberia também no presente.

Sabe quando você liga para um operador de telemarketing, e uma das frases que você ouve é: ‘Você gostaria de estar anotando o número de protocolo?’ Trata-se do uso incorreto do gerúndio, pois bastaria perguntar ‘Você gostaria de anotar o número de protocolo?’ Claro que esse erro não nos impede de entender, mas incomoda. Sabe quando alguém erra uma letrinha dos nossos nomes!? A gente entende, mas incomoda.

Mas minha maior implicância com o ‘Treinamento Resistido’ nem é com a expressão em si. Não sou purista da língua portuguesa. Provavelmente, de tanto essa expressão ser usada, acabará dominando os discursos, inclusive acadêmicos.

Aliás, na última edição do livro do Fleck e Kraemer (2017), embora o título seja ‘Fundamentos do Treinamento de Força Muscular’, no texto os tradutores usaram ‘Treinamento Resistido’.

Mas vou te dizer agora qual é a minha maior implicância:

‘É o fato de que acadêmicos e cientistas, todos muito inclinados à ​autoproclamação de que são críticos, racionais, avessos ao pensamento automático, alinhados ao pensamento elaborado e processado, sequer saberem de onde veio essa expressão. Quem a propôs? Qual é a fundamentação? Por que ela deve substituir as outras formas de expressão?

Eu penso que se você não tiver respostas para isso, não deveria usar ´Treinamento Resistido’.  

É verdade que você poderia me devolver a provocação, me fazendo as seguintes questões: ​mas qual é a melhor expressão? O que resolveria o problema? Seria ‘treinamento de força’? ‘Treinamento de resistência’? ‘Treinamento contrarresistência’? ‘Treinamento com peso’? ‘Levantamento de peso’?

E, de fato, me complicaria, pois acredito que não temos uma expressão perfeita. Mas eu ainda acredito que é melhor uma definição imperfeita do que uma expressão ‘no sense’, errada, insustentável.

​E​ aproveitando o debate, você poderia insistir e me perguntar por que expressões como ‘treinamento de força’, ou ‘treinamento de resistência’, ou ‘treinamento contrarresistência’, ou ‘treinamento com peso’, ou ‘levantamento de peso’, são imperfeitas?

Bom, vamos lá! Lembremos que ‘força é igual massa vezes aceleração’. ‘Peso’ também é massa vezes aceleração, mas se refere especificamente a aceleração da gravidade. De qualquer forma, ‘peso’ é uma forma de ‘força’. Então, treinamento de força e treinamento com peso se aproximam.

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Mas o problema das expressões ‘treinamento de força’ e ‘treinamento com peso’ é que se você exercitar fazendo uma simples caminhada, ou corrida, ou subir/descer escadas, sem qualquer carga para além do seu peso corporal, você já estaria fazendo treinamento de força ou com peso, pois seus membros inferiores estão sustentando seu peso corporal.

Se você, por exemplo, fizer um exercício como o stiff, sem carga externa, vários de seus músculos terão que trabalhar muito para segurar o peso do seu tronco (inclinado) multiplicado pela distância do centro de massa até o eixo do movimento. Que é o famoso torque resistivo. E, dependendo da pessoa, esse torque não é pequeno, mesmo sem qualquer peso externo.

Mas quando falamos em treinamento de força ou treinamento com pesos, o que vem em nossas cabeças são pessoas enfrentando cargas externas (ex: halteres, barras com peso, máquinas de força). Acho pouco provável que alguém considere ‘caminhar, correr, subir ou descer escadas, ou mesmo fazer o stiff sem peso externo, como treinamento de força ou treinamento com pesos. 

Por sua vez, a expressão ‘treinamento de resistência’ poderia ser confundida com ‘treinamento de endurance’, ou mesmo com o treinamento de força de resistência.

A expressão ‘levantamento de peso’ não contempla todas as formas de resistências (ex: resistência elástica, resistência magnética, resistência hidráulica, resistência pneumática).

Mesmo se considerássemos tais resistências como sinônimo de força (e peso é um tipo de força), nem sempre as resistências são levantadas. Se você prender um elástico no teto de uma sala, e, então, puxar esse elástico, obviamente não será para cima. A resistência será puxada provavelmente para baixo, o que é diferente de ‘levantar’ pesos.

A expressão ‘treinamento contrarresistência’ resolveria o problemático uso do ‘peso’. Afinal, às vezes a resistência é elástica, é magnética, é pneumática. Então, treinamento contrarresistência faria mais sentido.

Mas, novamente, caminhar, correr, nadar, seriam também contrarresistência, o que fugiria do imaginário das pessoas.

Então, não temos nada completamente resolutivo. De tudo, apesar das limitações, eu ainda prefiro usar ‘treinamento contrarresistência’ ou ‘treinamento de força’. Sim, são formas imperfeitas, mas acho melhor que ‘Treinamento Resistido’, que, a meu ver, é indefensável.

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Então é isso, amiga e amigo... Obrigado por ler até aqui. E se você gostou, compartilhe com colegas e amigos/as ou em suas redes sociais. E quem quiser receber as novas postagens deste Blog, basta clicar aqui para se inscrever na Newsletter.

E, como habitual, em tempos de escritas por inteligência artificial (ex: chatGPT e Gemini), vale dizer que essa postagem não usa isso... é feita exclusivamente das minhas leituras e interpretações ao longo da minha trajetória.

Lunz, W. Treinamento Resistido: Isso realmente existe? Ano: 2024. Link: https://www.wellingtonlunz.com.br/post/treinamento-resistido-certo-ou-errado [Acessado em __.__.____].

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professor wellington lunz

Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Tem se dedicado em transmitir conhecimentos baseados em evidências em diferentes áreas do conhecimento (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site ou e-mail: welunz@gmail.com.br  





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