"(...) Há uma recomendação antiga de realizar TF no mínimo 2 vezes/semana, a qual vigorou no século 20... mas estudos mais recentes indicam que há limite para a frequência de TF, e que 'mais exercício não é necessariamente melhor'"
Prof. Dr. Wellington Lunz - Universidade Federal do Espírito Santo
É consenso que o treinamento físico aeróbio reduz o risco de desenvolver doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), entre estas algumas doenças cardiovasculares. Também reduz o risco de mortalidade precoce por tais doenças. A única divergência refere-se a dose de exercício, uma vez que o excesso também é prejudicial (Lavie e cols, 2015).
E o treinamento de força (TF) ou contrarresistência, o que ele pode fazer pelo nosso sistema cardiovascular?
Bom... vou apresentar alguns resultados abaixo... Mas, antes, parte da explicação da incerteza pode estar associada ao menor número de estudos envolvendo TF. A maioria dos estudos grandes, prospectivos, mensura o exercício aeróbio, mas não o TF.
Quando olhamos a evolução história da principal diretriz internacional sobre o tema (Colégio Americano de Medicina Esportiva - ACSM), identificamos que a sugestão de benefícios do TF à saúde apareceu pela primeira vez apenas na recomendação de 1990 (Blair e cols, 1992; Feigenbaum e Pollock, 1999).
Então vamos para alguns estudos...
Em 2002, Tanasescu e cols investigaram a relação entre atividade física e doenças coronarianas de pessoas entre 40 a 75 anos de idade. Para isso utilizaram dados da coorte Health Professional's Follow-up Study, que envolveu 44.452 norte-americanos (entre 1986 a 1998). Nesse estudo o TF de duração maior ou igual a 30 min/semana reduziu o risco de doenças coronarianas em 23%.
Em 2018, Liu e cols publicaram resultados da coorte The Aerobics Center Longitudinal Study, especificamente sobre efeitos do TF em desfechos cardiovasculares e mortalidade por todas as causas. A coleta de dados ocorreu entre 1987-2006, e incluiu 12.591 participantes (18 a 96 anos; idade média 46,5 anos; sendo 21% mulheres).
Comparando quem não praticava com quem praticava TF nas frequências de 1, 2 ou 3 vezes/semana ou entre 1-59 min/semana, verificou-se que o TF associou-se com ≈ 40-70% de diminuição do risco de eventos totais de doenças cardiovasculares, independente de exercício físico aeróbio.
Ou seja, o benefício que encontraram é específico do TF. Aliás, a adição do ‘exercício aeróbio’ praticamente não mudou os resultados para eventos cardiovasculares, embora sua retirada tenha diminuido o efeito para mortalidade por todas as causas.
Resumidamente, o estudo mostra que o TF isoladamente pode proteger seu coração e diminuir a chance dele adoecer.
Algo bastante interessante é que Liu e cols (2018) não identificaram benefício para frequência semanal ≥ 4 vezes/semana, ou para duração maior que 60 min. Pelo contrário, acima de 3 vezes/semana houve tendência de efeito negativo. Portanto, não é necessário treinar com grandes volumes para se obter tais benefícios. Duas vezes na semana, menos de 1h/semana, já é suficiente para tais benefícios.
Há uma recomendação antiga de realizar TF no mínimo 2 vezes/semana, a qual vigorou no século 20 (Feigenbaum e Pollock, 1999)... mas os estudos que cito aqui (e outros que não cito) indicam que há limite para a frequência de TF, e que 'mais exercício não é necessariamente melhor'. Há uma dose limite que precisa ser observada, pois exercício demais também é prejudicial. Sobre isso escrevemos algo mais detalhado recentemente (ver Cabral e cols, 2020).
Em 2019, Wang e cols publicaram resultados de uma coorte prospectiva (4.681 adultos; 20 a 100 anos; 8,3 anos anos de acompanhamento) que mostrou associação entre maior força muscular com menor risco (32%) de desenvolvimento de diabetes tipo 2, e que também foi independente do fitness cardiorrespiratório, que é um marcador da capacidade aeróbia. Como diabetes é fator de risco para adoecimento do coração, esse efeito inverso entre TF vs. diabetes é uma ótima notícia!
Portanto, o TF pode sim contribuir para a saúde do seu coração, e o volume de treino não precisa ser elevado. Se você não pratica TF, recomendo que considere incluir essa modalidade na sua rotina. Não precisa abrir mão do exercício aeróbio! As duas modalidades são complementares.
Até o próximo post!
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Referências citadas no texto:
Lavie e Cols (2015). DOI: 10.1249/JSR.0000000000000134
Blair e Cols (1992). DOI: 10.1146/annurev.pu.13.050192.000531
Feigenbaum & Pollock (1999). DOI: 10.1097/00005768-199901000-00008
Tanasescu e Cols (2002). DOI: 10.1001/jama.288.16.1994
Cabral et al. DOI: 10.31236/osf.io/645e7
Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Também tem um canal no YouTube: (youtube.com/@prof.wellingtonlunz) onde transmite conhecimentos baseados em evidência de diferentes áres (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site, e-mail: welunz@gmail.com.br
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