Prof. Dr. Wellington Lunz - Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
No post anterior eu classifiquei a ‘hipertrofia muscular esquelética (HME)’. Minha classificação considerou dois componentes:
(1) O estrutural predominante
(2) O temporal
O componente estrutural predominante eu subclassifiquei em convencional, miofibrilar e sarcoplasmático. Está bem explicadinho no post anterior. Depois vai lá que é algo beeemmm legal.
Hoje falarei do componente temporal. Isso porque a HME tem um curso temporal que nem é linear e nem é explicado pelas mesmas coisas.
Em relação ao componente temporal, eu subclassifico essa hipertrofia em aguda, transitória e crônica. Vou explicar cada uma. O primeiro tópico será um pouco mais extenso, porque precisa de mais luz, mas depois é rapidinho. Siga aí comigo.
Hipertrofia aguda
Quem nunca ouviu falar do pump? “O que é o pump muscular?” É muito provável que você o associe com um inchaço muscular que ocorre após um treino típico de HME. Mas você sabe os mecanismos que explicam o pump? Como acontece? Vamos entender!
Trata-se de uma hipertrofia claramente decorrente da retenção hídrica e/ou represamento hídrico. Isso parece bastante claro, mas os mecanismos explicativos não são tão claros assim.
O curso temporal desse pump não é linear. É complexo e com poucos estudos dedicados a entendê-lo. Parece ocorrer duas fases, o que é sugestivo de que não seja explicado por uma coisa só.
Nos minutos seguintes (~4 min) a diferentes protocolos de treinamento de força, os quais podem variar em intensidade, em ter ou não oclusão vascular, ir ou não até a falha muscular (Haddock et al., 2021), já é possível identificar significativo aumento da área de secção transversa muscular (5% a 15%).
Esse aumento hídrico nos espaços intracelular e extracelular. Considerando uma situação de repouso, que seja anterior a uma sessão de exercício de força, sugere-se que em torno de 10% da água muscular estaria no espaço extracelular (Haddock et al., 2021).
Esse rápido aumento de água que ocorre logo após uma sessão de treino de força é proporcionalmente maior no espaço extracelular (aumenta de ~60% a 80%) do que no espaço intracelular (~2% a 4%) (Haddock et al., 2021).
Nesse estudo de Haddock et al. (2021), o volume extracelular saiu de ~10% para ~16% (aumento de ~60%). No espaço intracelular o aumento é bem menor (~2% a 4%), mas também é onde a maior parte da água se encontra.
Muito provavelmente os mecanismos que explicam esse aumento extracelular e intracelular sejam diferentes.
A explicação do aumento hídrico no espaço extracelular deve estar associado ao aumento do fluxo sanguíneo e da pressão hidrostática. De fato, os fluxos sanguíneos venoso e arterial estão de 2 a 5 vezes aumentados alguns minutos depois de uma sessão de treino de força (Haddock et al., 2021).
A fisiologia nos ensina que o aumento do fluxo arterial aumenta a pressão hidrostática, a qual tende a superar a pressão osmótica intra-vaso. Ou seja, a força de fuga de água dos vasos será maior que a força osmótica de atração de água para dentro dos vasos sanguíneos (esse meu vídeo pode te ajudar a entender melhor). Portanto, a tendência é “inundar” o músculo de água.
E há outra coisa que ajuda nessa inundação! Repare que no parágrafo anterior eu me referi a uma situação PÓS exercício. Mas durante a sessão de exercício de força, em virtude da resistência induzida pela força mecânica da contração muscular, o que se espera é um maior represamento de água com consequente “fuga” de água dos vasos em direção ao músculo.
Isso porque a resistência é outra variável que aumenta a pressão hidrostática. Ao mesmo tempo, essa resistência induzida pela contração muscular dificulta o recolhimento de água pelos sistemas venoso e linfático.
Já o aumento da retenção hídrica intracelular deve ser explicado mais por alterações metabólicas. Isso porque a formação ou liberação de alguns metabólitos decorrentes do exercício (ex: lactato, H+, fosfato, creatina) tem potencial de reter água (Haddock et al., 2021).
Em favor dessa hipótese metabólica está o fato de que sessões de exercícios que envolvem pouca carga e muitas repetições, especialmente com oclusão vascular, produzem duas a três vezes mais pump que sessões com cargas altas e poucas repetições. Treinos com muitas repetições ou com oclusão vascular devem exigir mais do sistema glicolítico láctico, o que explicaria o maior pump.
O detalhe é que essa hipertrofia atinge seu pico entre 0 (zero) e 20 minutos após protocolos típicos de treinamento para HME (Haddock et al., 2021; Hirono et al., 2022), e depois vai diminuindo, de tal modo que em torno de 60 a 80 minutos praticamente volta ao basal. Mas o pump não termina aí.
Depois dessa fase de rápido aumento e rápido decaimento da hipertrofia, parece ocorrer novo aumento nos dias seguintes.
Dependendo do nível de desafio muscular e celular que a sessão de treino induz, como por exemplo depois de treinos excêntricos intensos e volumosos, o inchaço muscular pode ir aumentando progressivamente por vários dias, com pico de hipertrofia entre 4 e 8 dias pós sessão de treino (ver Peake et al., 2017 e Yu et al., 2013).
E é aqui que a coisa parece mais difícil de explicar. A crença principal é que a inflamação decorrente de microlesões intracelulares e/ou na matriz extracelular seriam as causadoras dessa retenção hídrica tardia.
De fato, é bem conhecido que a inflamação aumenta a vasodilatação e a permeabilidade de vasos, o que favorece o aumento do fluxo sanguíneo e o extravasamento de fluidos e de elementos com potencial osmótico (ex: proteínas). E isso induz edema. Entretanto, temos um problema!
Há estudos mostrando que a dinâmica desse aumento hídrico não se comporta de forma similar à dinâmica dos marcadores de lesão intracelular (Peake et al., 2017), e pode inclusive ocorrer sem lesões e sem inflamação (Yu et al., 2013).
Com isso, a inferência que podemos fazer é que provavelmente essa retenção hídrica tardia esteja mais associada à inflamação na matriz extracelular, e não por causa de microlesões intracelulares. Sabe-se que esse estado inflamatório pode durar semanas (Peake et al., 2017).
Seja como for, a retenção hídrica não parece se limitar ao espaço extracelular, pois Yu et al. (2013) viram aumento de ~24% do tamanho das fibras musculares depois de 7 a 8 dias de treino excêntrico. Mas o que exatamente faz a água entrar na célula?
Até onde sei não há uma resposta científica clara. Já vi gente sugerindo que o próprio acréscimo de proteínas e o aumento de carboidratos poderiam explicar isso, uma vez que ambos tem poder osmótico. Mas é uma hipótese que precisa ser testada. Seja como for, como mostrarei no próximo tópico, levará muitas semanas para essa retenção hídrica voltar ao basal.
Então não sei dizer se a inflamação teria alguma relação com aumento hídrico intracelular, mas provavalmente tem com o aumento hídrico extracelular. Salvo melhor juízo, creio que ainda precisamos de mais evidências para entender o que exatamente gera esse aumento hídrico tardio.
E você poderia me perguntar (pois já me perguntaram em aula): “O pump tem correlação com hipertrofia crônica?”
Embora um estudo (Hirono et al., 2022) encontrou correlação positiva entre pump pós exercício com HME induzida por treinamento de força, afirmar que há relação causa-efeito seria imprudente, pois o pump também se correlaciona com o trabalho muscular (Vieira et al., 2018), de modo que a explicação poderia ser o maior trabalho, e não o pump.
Além disso, há técnicas específicas (ex: drop-set) e protocolos com muitas repetições e pouca carga (ex: 20% a 30% de 1RM), com ou sem oclusão vascular, que geram duas ou três vezes mais pump que protocolos com menos repetições e mais carga (ex: 70% a 80% de 1RM) (Haddock et al., 2021; Fink et al., 2018), mas que induzem hipertrofia crônica similar.
Ou seja, se o pump causasse hipertrofia crônica, não era para dar hipertrofia similar a de protocolos e técnicas que geram menos pump. Acho, portanto, precipitado afirmar qualquer relação entre pump (no inglês chamam de swelling) com HME crônica.
Há também autores (Schoenfeld e Contreras, 2014) que já sugeriram que esse swelling sinalizaria para vias hipertróficas, e que por isso contribuiria para a HME. Mas a possível HME decorrente disso nunca passaram de hipotética especulativa. Não há evidência direta disso. Agora vamos aos dois últimos tópicos (e será breve).
Hipertrofia transitória
Em 2018, Damas et al. publicaram um estudo mostrando que a HME que ocorre nas primeiras duas semanas de treinamento de força é quase que exclusivamente explicada por retenção hídrica. Mesmo depois de 1 mês de treinamento, em torno de 50% da hipertrofia ainda é explicada por fluído.
O que esses autores identificaram foi que à medida que o treinamento vai progredindo ao longo do tempo, essa hipertrofia induzida por fluído vai diminuindo sua contribuição percentual, enquanto o aumento de componentes orgânicos intracelulares (ex: síntese proteica) vai aumentando a contribuição para a HME.
Dessa forma, o que se percebe é a transição de uma hipertrofia majoritariamente explicada por água para uma hipertrofia explicada majoritariamente por componentes orgânicos intracelulares (ex: miofibrilas, organelas, substratos energéticos, minerais).
Exatamente por causa dessa transição eu tenho denominado essa fase de hipertrofia transitória.
E quanto tempo leva essa fase de hipertrofia transitória?
Considerando o próprio estudo de Damas et al. (2018), para se ter uma HME a qual eles chamaram de ‘verdadeira’, onde o percentual de retenção hídrica não ficaria acima daquele visto antes do treinamento, precisaria de ~9 semanas.
Como em biologia tudo varia, certamente não será igual para todo mundo. E ainda não temos certeza se a proporcionalidade dos elementos intracelulares ficam iguais ao que se vê antes do treinamento. Seja como for, é bastante tempo.
Hipertrofia crônica
A hipertrofia crônica é o que se tem ao final da fase anterior. Ou seja, uma HME majoritariamente explicada pelos componentes orgânicos intracelulares descritos no tópico anterior (ex: miofibrilas, organelas, substratos energéticos, minerais).
Acredita-se que os componentes miofibrilares sejam dominantes nessa fase. Também seria a fase de maior definição muscular, exatamente porque não seria explicada por água.
Mas, como explicado no post anterior, se essa HME é convencional, miofibrilar ou sarcoplasmática, e se essas formas de hipertrofia estão condicionadas ou não ao tipo de treinamento de força, ainda não sabemos completamente.
E se você ainda não leu, vale a pena ler o post anterior (Você sabe classificar a hipertrofia muscular?). Também vale a pena entender bem o que é hipertrofia muscular, e aí o post que vai te ajudar é esse aqui: ‘Hipertrofia muscular: Só sabe o conceito quem NÃO pensa demais.’
Então é isso amigo ou amiga... Obrigado por ler até aqui. E se você gostou, compartilhe com colegas e amigos/as ou nas suas redes sociais. E se você curtir esse post me motivará a continuar escrevendo. E quem quiser receber as novas postagens deste Blog, basta clicar aqui para se inscrever na Newsletter.
Lunz, W. Você sabe classificar a hipertrofia muscular? (parte 2) Ano: 2024. Link: https://www.wellingtonlunz.com.br/post/tipos-de-hipertrofia-muscular [Acessado em __.__.____].
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Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Tem se dedicado em transmitir conhecimentos baseados em evidências em diferentes áreas do conhecimento (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site ou e-mail: welunz@gmail.com.br
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