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Síndrome do Overtraining? Ou melhor seria 'Síndrome da Recuperação Incompleta ao Treinamento Físico'?

Atualizado: 27 de jun.



"... Nem a intensidade e nem o volume parecem os principais responsáveis pela OTS. O que mais fortemente parece explicar a OTS é a ‘RECUPERAÇÃO INCOMPLETA"

Autor: Prof. Dr. Wellington Lunz


O que é excesso de treinamento? Seria treinar com elevado volume? Se sim, o que seria exatamente ‘elevado volume’? Ou seria treinar com elevada intensidade? Se sim, qual a duração mínima para considerarmos algo como ‘excesso’? quantas sessões? Vamos debater esse tema espinhoso!

Quando eu leio ou ouço a expressão “excesso de treinamento”, a primeira coisa que vem à mente é a síndrome do overtraining (OTS).

A OTS é multifatorial e continua sendo de difícil diagnóstico, apesar de avanços nas últimas décadas no sentido de se propor um algoritmo para diagnóstico.

Talvez a tentativa mais bem sucedida de diagnóstico até o momento seja o consenso publicado conjuntamente pelo Colégio Europeu de Ciência do Esporte (CECE) e o Colégio Americano de Medicina do Esporte (sigla mais famosa: ACSM) (Meeusen et al. em 2013).

Por definicação, a OTS se desenvolve ao longo de um treinamento. Portanto, não se refere a intervenções de curtíssima duração (ex: uma ou poucas sessões). Mas quantas sessões seriam necessárias? Bom, aí a coisa complica, pois precisaríamos antes responder a outra pergunta difícil: Quando é que o acúmulo das sessões de treino passa a receber o status ‘treinamento’?

Mas vou me concentrar na OTS, por ora... E dois componentes parecem muito claros na OTS:

(1) treinamento físico (afinal, não seria OTS se não houvesse treinamento físico).

(2) perda de desempenho físico (>10%). Mas sobre isso temos problemas.

De fato, essas duas coisas estão contempladas no algoritmo proposto pelo CECE e ACSM (Meeusen et al. em 2013). Mas temos questões inquietantes aqui! Veja:

Recentemente Grandou et al (2020) fizeram uma boa revisão sistemática envolvendo "treinamento de força (TF), overreaching e overtraining".


Overreaching refere-se a perda de desempenho induzida pelo treinamento físico, mas que tem recuperação rápida (poucos dias). A OTS, por outro lado, pode demandar várias semanas para restabelecer a normalidade. E também envolve múltiplas alterações psico-fisiológicas, hormonais, metabólicas, imunes e da composição corporal.

Nessa revisão de Grandou et al (2020), eles encontraram apenas 22 estudos. E isso é pouco para algo tão complexo. Mas há algo mais espantoso: 10 desses 22 estudos diagnosticaram a OTS sem sequer ter havido perda de desempenho físico. Ou seja, teria verdadeiramente ocorrido OTS nos participantes?

Outra coisa inquietante são os delineamentos de alguns estudos. Veja isso:

Um pesquisador bastante famoso em OTS é o cientista norte americano Andrew C. Fry (University of Kansas). Ele desenvolveu um protocolo para induzir OTS (creio que na década de 1980). Ao longo dos anos ele fez algumas adaptações, mas há algo que chama bastante atenção: A curta duração do protocolo.

Um protocolo famoso do Andrew Fry é realizar 14 dias de TF usando agachamento no Smith, 10 séries x 1 RM (total de 140 reps). Nesse protocolo a OTS é caracterizada principalmente pela perda de desempenho e necessidade de semanas para recuperação.

Mas o próprio Fry é co-autor em um estudo (Nicoll et al., 2016) cujo protocolo induziu overreaching usando muito mais reps. O protocolo foi de 7,5 dias, 2 sessões/dia, 10 séries x 5 reps (70% 1RM), também fazendo agachamento. Repare que, ao final, esse protocolo teve 750 reps. Isso é aprox. 5,3 vezes mais reps que o anterior. Apesar disso induziu apenas overreaching.

Ou seja, o volume de treino (reps x carga) foi maior no segundo protocolo, mas apenas o primeiro gerou OTS.

A duração do TF em ambos os protocolos foi bem curta. Será que uma ou duas semanas já poderiam ser chamadas de 'treinamento'? (isso é discutível... deixemos para outro momento). Seja como for, é algo bem diferente da realidade de atletas.

Além do volume, outra diferença importante entre esses dois protocolos é a intensidade. O primeiro com 1RM, e o segundo com 70% de 1 RM. E no segundo protocolo, quando a velocidade do movimento caia 90% por duas reps seguidas, eles reduziam a carga em ~4,5 kg... Ou seja, evitava-se o ‘máximo esforço’. Ambos os estudos foram com pessoas com experiência em TF.

Nesse momento é possível interpretar algumas coisas: (1) Há problemas metodológicos em muitos estudos envolvendo TF e OTS; (2) Protocolos de curtíssima duração já podem gerar OTS; (3) Nível de esforço pode ser mais importante que o volume para gerar OST (mas sobre ‘nível de esforço’, há outro componente importante que irei apresentar daqui a pouco).

No meu imaginário, a OTS sempre envolveria de média a longa duração e, também, alto volume. E sobre isso, veja esse artigo:

Cavedon et al. (2020) estudaram homens jovens que faziam CrossFit há pelo menos 1 ano, e subdividiu em 2 grupos: (grupo 1) os que faziam >10h/sem (~12h / n=13); (grupo 2) os que faziam <10h/sem (~7h / n=11) de CrossFit.

Veja que o primeiro grupo tinha um volume de aproximadamente 12 h/sem, e, apesar disso, não há relato de OTS. E 12h semanais de CrossFit é bastante desgastante. Então o volume não seria tão problemático?

Em outro estudo, Cadegiani et al. (2019) investigaram diferentes variáveis fisiológicas, bioquímicas, hormonais, alimentares, composição corporal, e desempenho físico de atletas do CrossFit saudáveis vs overtrained.

Eles concluíram que a OTS no grupo overtrained não foi induzida exclusivamente pelo excesso de treinamento, pois os grupos cumpriam periodização similar. Por outro lado, eles perceberam que o grupo overtrained fazia uma dieta de longo prazo com baixo teor de carboidratos (<5,0 g/kg/dia), e isso pode ter sido uma das principais causas da OTS. Então não depende só do TF!

Juntando tudo até agora, podemos fazer outras interpretações. Nem a intensidade e nem o volume parecem os principais responsáveis pela OTS. O que mais fortemente parece explicar a OTS é a ‘RECUPERAÇÃO INCOMPLETA’ (e na recuperação eu já incluo a necessidade de alimentação correta).

Nesse momento eu questiono se não seria o caso de chamarmos de ‘Síndrome da Recuperação Incompleta ao Treinamento Físico’? Ou alguma expressão similar! Voltarei a isso ao final. Outra coisa que vale destacar é que temos coisas que podem ser tão ou mais perigosas que a OTS.

Em 2019 o National Collegiate Athletic Association (NCAA) e o Collegiate Strength and Conditioning Coaches Association (CSCCa) fizeram um guia para retorno seguro ao treinamento físico (Caterisano et al., 2019).

Aliás, há uma aula no meu Canal onde eu abordo bem essa ideia de ‘retorno seguro’, e uso bastante esse mesmo artigo (Aqui a videoaula).

Nesse guia, uma coisa que chama muito atenção são os tipos de exercícios (ou sessões de treino) mais associados a rabdomiólise. E rabdomiólise é uma doença causada por destruição/lesão severa de células musculares, com consequente liberação de seus componentes na circulação. Isso pode até gerar disfunção renal irreversível e, pior, morte.

Recentemente li na introdução de algum artigo que a prevalência de morte por rabdomiólise pode chegar a 10%. Lembro disso porque me impressionou muito esse número. Vale destacar que a rabdomiólise não ocorre apenas após exercício físico.

Mas, voltando ao guia, eles dizem que todos os estudos sobre rabdomiólise referenciados compartilham as seguintes características comuns:


1) Eram atletas ou militares realizando alto volume de exercícios de força submáximo (ex: usando peso corporal como apoio, barra fixa, etc.) até a fadiga e/ou num período de tempo limitado (contrarrelógio).

2) A maioria dos casos ocorre quando expostos a um novo regime de exercícios, ou quando se retorna de um período de destreinamento.

3) Muitos ocorrem em condições ambientais quentes.

4) A maioria sem descanso superior a 24h.


Veja que aqui estamos falando de risco de morte induzido por uma (ou poucas) sessões de exercícios. Não se trata de OTS.

Mas esses itens mostram que o problema não são exatamente volume e intensidade em si, mas uma recuperação incompleta, seja para a mesma sessão ou entre diferentes sessões.

E aí concluo essa postagem novamente questionando: Será que em vez de chamarmos de ‘Síndrome do Overtraining’ não deveríamos chamar de ‘Síndrome da Recuperação Incompleta ao Treinamento Físico’?

Pode parecer uma mudança simplista, mas dar mais peso causal à má recuperação pode fazer com que as pessoas entendam melhor a importância da recuperação completa. Isso me parece mais correto e seguro. O que você pensa sobre isso?

Pode me enviar e-mail (welunz@gmail.com), ou direct no instagram (@prof.wellingtonlunz), ou no Sparkle (@profwellingtonlunz) que será um prazer debater!


Até a próxima postagem!


Clique aqui e acesse videoaulas no 'Canal Prof. Wellington Lunz'.






 

Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Também tem um canal no YouTube: (youtube.com/@prof.wellingtonlunz) onde transmite conhecimentos baseados em evidência de diferentes áres (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site, e-mail: welunz@gmail.com.br 

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