"Embora a sarcopenia foi considerada por bastante tempo apenas como perda de massa muscular, atualmente seu conceito é mais amplo. Trata-se de uma síndrome geriátrica multifatorial, que envolve perdas de massa muscular, força e capacidade funcional".
Prof. Dr. Wellington Lunz - Universidade Federal do Espírito Santo
Recentemente fiz uma série de vídeos sobre ‘Treinamento de Força e Envelhecimento’. O primeiro (aqui) foi uma injeção de otimismo. Nele mostro que apesar de fatores geneticamente programados, podemos desacelerar o envelhecimento biológico com atitudes saudáveis, incluindo o treinamento de força, e assim ter uma vida muito funcional. Entre os vários exemplos que dei, destaco a norte-americana Ernestine Shepherd, fisiculturista de 84 anos. Vale muito a pena assistir!
O segundo vídeo (aqui) é sobre a diferença entre idade biológica e cronológica. Esses termos não são novidades, mas como se calcula a idade biológica? Você saberia dizer se sua idade biológica está abaixo ou acima da cronológica? Nesse vídeo, portanto, dou uma dimensão de como a ciência calcula a idade biológica. E esse cálculo não serve apenas para matar a curiosidade científica, pois sabemos hoje que a idade biológica está mais associada a mortalidade que a idade cronológica (no vídeo cito as referências).
Sobre esses dois primeiros vídeos, eu também já escrevi aqui no 'Blog Prof Wellington Lunz' uma postagem sintetizando o conteúdo desses vídeos (aqui). Para você que está aqui no Blog pela primeira vez, fica o convite para assistir esses vídeos e ler o post, pois certamente irá contribuir muito para que você possa dirigir sua vida de modo a ter um envelhecimento mais funcional.
O conteúdo do terceiro vídeo (aqui) é o que darei destaque nessa postagem. No vídeo eu falo sobre SARCOPENIA e DINAPENIA.
O envelhecimento inevitavelmente induz, ainda que possamos desacelerar, muitas perdas orgânicas. Certamente é possível escrever vários livros sobre as muitas perdas em cada sistema orgâncio (ex: pele, cardiovascular, muscular, ósseo, endócrino, etc.). Mas para não deixar você apenas com informações gerais, vou dar alguns exemplos:
>> Diminuição da capacidade neural (tanto cognitiva quanto motora).
>> Enrijecimento vascular (favorecendo o aumento da pressão sanguínea).
>> Aumento de fibrose muscular (incluindo no miocárdio).
>> Aumento de gordura intra e intermuscular.
>> Inflamação crônica.
>> Diminuição da elasticidade e do tamanho pulmonar.
>> Perda óssea.
>> Prejuízos posturais que podem causar problemas funcionais (ex: dificuldades respiratórias).
>> Diminuição e alterações hormonais.
>> Aparecimento de doenças crônicas (ex: diabetes, doenças cardiovasculares, cânceres, etc) (refs: Fleck e Kraemer, 2017; Delmonico e Beck, 2016).
E por aí vai... Mas minha intenção aqui não é focarmos no problema, mas que compreendamos o fenômeno para que possamos focar naquilo que temos poder de ação.
Mas, como o assunto é grande, vou me ater principalmente a SARCOPENIA. Ou seja, focarei nas alterações relacionadas ao músculo esquelético e integração neuromuscular.
Nos âmbitos muscular e neuromuscular podemos descrever as seguintes alterações: Atrofia e perda de fibras musculares (principalmente de fibras do tipo 2), agrupamento de fibras (principalmente do tipo 1), redução de unidades motoras rápidas, infiltração de gordura intermuscular, prejuízos neuromusculares, e, obviamente, perda de força e potência muscular (Snijders et al.; 2020; Fleck e Kraemer, 2017; Delmonico e Beck, 2016).
Por exemplo, uma pessoa de 80 anos pode ter 50% menos fibras e unidades motoras do tipo II, e até 70% menos força que um jovem (Fleck e Kraemer, 2017; Delmonico e Beck, 2016).
A sarcopenia deriva dessas várias perdas. A palavra sarcopenia vem do Grego, e seu significado original é “pobreza da carne”. Embora a sarcopenia foi considerada por bastante tempo apenas como perda de massa muscular, atualmente seu conceito é mais amplo. Trata-se de uma síndrome geriátrica multifatorial, que envolve perdas de massa muscular, força e capacidade funcional (Delmonico e Beck, 2016).
A sarcopenia é uma das causas da dinapenia. Essa última refere-se a perda de força muscular induzida pelo envelhecimento, e tem seu início aproximadamente aos 40 anos (mas pode variar bastante). Dinapenia tem múltiplos fatores causais, com destaque aos prejuízos relacionados a integração neuromuscular. Sobre isso, te convido a assistir minha aula (aqui), pois lá eu apresento uma ilustração interessante sobre as causas da dinapenia.
Quando fazemos uma linha de tendência dos 30 aos 50 anos, a perda de força não é tão grande. Se fizermos essa linha dos 40 aos 60 anos, essa perda será maior que a anterior. Mas, de modo geral, depois dos 70 anos é que a luz vai fica vermelha.
Depois dos 70 anos a perda de força se acelera muito. Há estudo que registrou perda de 16% de torque, que é uma medida de força, nos músculos extensores do joelho em apenas 5 anos de envelhecimento (entre os 70 anos e 79 anos). Nesse mesmo intervalo de tempo a perda de massa muscular foi bem menor (~ 5%) (Delmonico e Beck, 2016).
E como é a força muscular que está associada a funcionalidade física, isso preocupa muito. Por exemplo, uma pessoa idosa pode precisar de aproximadamente 90% da força máxima dos extensores do joelho para levantar-se de uma cadeira, enquanto uma pessoa jovem pode não precisar sequer de 50% da sua máxima força. Outra variável associada a funcionalidade física é a potência muscular (força x velocidade), e sua perda é ainda mais acelerada que a força (Fleck e Kraemer, 2017).
A qualidade muscular também reduz muito. Qualidade muscular refere-se a produção de força gerada por uma dada área de músculo (Delmonico e Beck, 2016). Para ser didático, se uma pessoa de 70 anos tiver ‘x’ de área muscular, e uma pessoa de 20 anos tiver esse mesmo ‘x’ de área muscular, essa pessoa jovem produzirá mais força que a mais velha.
Mas voltando ao conceito de sarcopenia... A sarcopenia deixou de ser apenas compreendida como perda muscular exatamente porque a perda de força e potência são maiores que a massa muscular, pois a associação entre massa muscular vs. funcionalidade é menor que a associação entre força ou potência muscular vs. funcionalidade. Atualmente o diagnóstico da sarcopenia é feito considerando três variáveis:
>> Volume de massa muscular
>> Força muscular
>> Capacidade funcional
Aliás, há uma gradação para sarcopenia: Pré-sarcopenia, Sarcopenia e Sarcopenia Severa (Delmonico e Beck, 2016).
No âmbito clínico, referente a diagnóstico, é comum o uso do hand-grip para estimar a força. Para avaliação do volume de massa muscular o ideal é a ressonância magnética ou tomografia computadorizada, tendo a bioimpedância como alternativa menos cara, mas, também, menos precisa. A avaliação da funcionalidade é algo particularmente decisivo, e profissionais de educação física precisam compreender bem. Caso você seja profissional de educação física, farei uma postagem aqui em breve para falar, entre outras coisas, de testes funcionais para pessoas mais velhas.
Para concluir, devemos sair dessa leitura com as seguintes interpretações:
>>> Sarcopenia não é apenas perda de massa muscular.
>>> Dinapenia não é causada apenas por sarcopenia.
>>> Temos que frear a perda de força e potência utilizando treinamento de força e potência (não há remédio que substituia o treinamento físico de força), pois do contrário perderemos função.
>>> A massa muscular, seja medida ou "visual", não deve ser usada para interpretar a capacidade funcional de idosos. Isso é tão impactante que farei um parênteses aqui:
“É muito comum que as pessoas julguem seus entes mais velhos como ‘fortes’, ‘saudáveis’ ou ‘ativos’ apenas pela aparência da composição corporal ou por funções motoras de menor complexidade (ex: caminhar, cozinhar, passar roupa). Entretanto, não raro, quando fazemos testes funcionais essas pessoas mais velhas mostram desempenhos muito ruins. Quando aumentamos a complexidade da tarefa (ex: deitar e levantar do solo, deslocamentos, levantar de um sofá baixo) essas pessoas não conseguem ir bem. Detalhe: Uma pessoa pode ser obesa (grande massa corporal) e sarcopênica ao mesmo tempo (Delmonico e Beck, 2016). Essas coisas preocupam muito, pois a perda de competência funcional está muito associada a quedas e fraturas, as quais podem ser fatais, uma vez que a recuperação é muito difícil em pessoas mais velhas”
Para quem quiser aprender um pouco mais sobre envelhecimento e treinamento físico, deixo aqui algumas sugestões de livros: (1) Treinamento de força para a terceira idade; (2) Fisiologia do exercício na terceira idade; (3) Fisiologia e prescrição de exercícios para grupos especiais.
Para quem é da educação física, além dos livros anteriores, alerto que o livro do Fleck e Kraemer (2017), que é um clássico do treinamento de força, tem um capítulo legal sobre o assunto.
Até o próximo post!
Clique aqui e acesse videoaulas no 'Canal Prof. Wellington Lunz'.
Treinamento de força reduz o risco de doenças cardiovasculares? Ou é coisa para o exercício aeróbio?
Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Também tem um canal no YouTube: (youtube.com/@prof.wellingtonlunz) onde transmite conhecimentos baseados em evidência de diferentes áres (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site, e-mail: welunz@gmail.com.br
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