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Você sabe classificar a hipertrofia muscular?

Atualizado: 27 de jun.


quais os tipos de hipertrofia muscular?


Prof. Dr. Wellington Lunz

Quem me acompanha por aqui já sabe que estou escrevendo um livro de ‘hipertrofia muscular esquelética (HME)’. E enquanto vou escrevendo, vou compartilhando as mesmas ideias aqui no Blog.

E uma coisa que precisarei fazer no livro é classificar a HME. Eu não precisaria fazer isso se fosse algo simples. Se, por exemplo, o que lhe desse causa fosse uma coisa só; se seu comportamento ao longo do tempo não variasse. Mas não é o caso, e, por isso, precisa de classificação.

E há uma coisa que eu desejo há tempos, que é fazer é uma sequência de posts assim:

‘Primeiro perguntar ao ChatGPT questões da nossa área, e depois avaliar e discutir o quanto a resposta dessa inteligência artificial se afasta da realidade científica.’ Ainda não farei essa sequência, mas neste post eu resolvi brincar com isso.  Eu perguntei ao ChatGPT o seguinte:

✔️ Quais são os tipos de hipertrofia muscular?

A resposta do ChatGPT foi basicamente classificar em sarcoplasmática e miofibrilar. E ele ainda afirmou que a ‘hipertrofia sarcoplasmática’ é induzida por muitas repetições e pouca carga, e a ‘hipertrofia miofibrilar’ é induzida por muita carga e poucas repetições.

Embora isso seja repetido há décadas na nossa área, trata-se de uma afirmação que nunca passou de uma hipótese. Vou te mostrar isso hoje. Já antecipo que a maioria dos estudos científicos não encontra isso que o ChatGPT apresentou (veja Haun et al., 2019).

Mesmo quem acredita nessa história, como Roberts et al. (2020), reconhecem que se trata de uma ‘hipótese especulativa’ (eles reconhecem isso no tópico ‘Broader implications’ desse artigo).

Essa crença revelada pelo ChatGPT parece ter surgido inicialmente há 127 anos, no primeiro estudo (em 1897) envolvendo ‘exercício físico e hipertrofia’, feito por M. Mopurgo (depois leia meu post História da Hipertrofia: Quanto você sabe?). Isso porque, naquela época, a HME que ele identificou foi predominantemente sarcoplasmática.

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Mas na década de 1970 surgiram estudos em nível celular mostrando aumento da ‘densidade miofibrilar’ induzido pelo treinamento de força, sem aumento do volume celular.

Em 1976, Thorstensson e Cols também encontraram um resultado intrigante. O treinamento de força induziu aumento da massa muscular, mas NÃO induziu aumento da ‘área de secção transversa’ de fibras musculares e nem da perimetria muscular. Como é possível?

Minha hipótese é que pode ter ocorrido hipertrofia miofibrilar. As miofibrilas teriam ficado mais empacotadas, por isso teve aumento da massa, mas não do volume.

Todas essas histórias acima você encontrará no post ‘História da Hipertrofia: Quanto você sabe?

Mas creio que o estudo que mais deu força a essa crença revelada pelo ChatGPT foi um estudo publicado em 1982, feito pelos espetaculares cientistas J. D. MacDougall, D. G. Sale e mais dois autores. Dei destaque a esses dois professores eméritos da McMaster University (Canadá) pela enorme contribuição em nossa área.  Daqui a pouco contarei mais desse artigo, e o citarei como MacDougall et al (1982).

Para a gente não se perder, vou voltar agora ao objeto do post. Além dessas afirmações sem evidências, a classificação dada pelo ChatGPT é muito rasa.

Eu particularmente classifico a hipertrofia muscular considerando duas dimensões. Na primeira eu considero o componente estrutural predominante. Na segunda eu considero o componente temporal.

Já irei explicar melhor. Mas antes devo fazer um alerta: Para você entender bem o que eu falarei hoje aqui, é muito importante que você já tenha lido ou já tenha domínio daquilo que eu falei no post ‘Hipertrofia muscular: Só sabe o conceito quem NÃO pensa demais.’ Qualquer coisa, dê uma paradinha aqui, leia lá, e depois volte. Vale a pena.

Sigamos! Em relação ao componente estrutural predominante, que em outros tempos eu chamava simplesmente de ‘tipo’, hoje eu subclassifico em:

✔️ Convencional

✔️ Miofibrilar

✔️ Sarcoplasmática

Importa dizer que essa ideia acima não é originalmente minha, mas me apropriei da forma como Roberts et al. (2020) descreveram, pois faz sentido.

Em relação ao componente temporal, eu subclassifico em:

✔️ Aguda

✔️ Transitória

✔️ Crônica

E esta ideia é minha mesmo. Hoje, para o post não ficar muito longo, falarei apenas das subclassificações do componente estrutural predominante. No post da próxima semana eu falarei do componente temporal.

Então segue minhas explicações sobre as hipertrofias convencional, miofibrilar e sarcoplasmática.


Hipertrofia Convencional 

Precisamos ter em mente que para uma célula muscular aumentar seu volume em resposta ao treinamento contrarresistência de médio e longo prazo, é preciso que tanto o sarcoplasma quanto as miofibrilas aumentem. No caso das miofibrilas, pode ocorrer também miofibrilogênese. Ou seja, novas miofibrilas são formadas.

Se as miofibrilas aumentassem seus tamanhos ou sua quantidade sem que houvesse aumento do sarcoplasma, não teria como ocorrer aumento do volume celular. Se o sarcoplasma não expandisse, não teria como acomodar esse aumento miofibrilar para sempre. Esse empacotamento miofibrilar ou seria biologicamente limitado ou arrebentaria o sarcolema.

Ao mesmo tempo, se houvesse apenas aumento do sarcoplasma, de modo que as miofibrilas ficassem muito distantes umas das outras, é muito provável que o processo de contratilidade ficaria prejudicado. No mínimo precisaria de uma rede de retículo sarcoplasmático gigante. E esse afastamento provavelmente dificultaria bastante a transmissão de força intracelular.

Portanto, o mais razoável é acreditar que a hipertrofia ocorra convencionalmente com aumentos proporcionais do sarcoplasma e das miofibrilas. À medida que aumenta um, deve aumentar o outro também.

Esse tipo de hipertrofia em que tanto o sarcoplasma quanto as miofibrilas aumentam proporcionalmente é o que a maioria dos cientistas acredita ser a forma mais habitual de hipertrofia.

Por isso eu a estou chamando de hipertrofia convencional, como fez Roberts et al. (2020). Mas também poderíamos chamar de hipertrofia proporcional, como fez Haun et al. (2019). E os autores deste parágrafo são todos do mesmo grupo de pesquisa.

Resumindo, a hipertrofia convencional é aquela em que o sarcoplasma e as miofibrilas aumentam concomitante e proporcionalmente.


Hipertrofia Miofibrilar

O que tem sido chamado de hipertrofia miofibrilar não é exatamente uma hipertrofia apenas miofibrilar, mas sim uma hipertrofia com aumento predominante de miofibrilas. Ou seja, o aumento de miofibrilas seria desproporcionalmente maior que o aumento do sarcoplasma (Haun et al. 2019; Roberts et al. 2020).

Há inclusive uma teoria chamada 'bag theory' que propõe o seguinte:

Por um certo tempo a célula (e seu sarcoplasma) poderia ficar do mesmo tamanho enquanto estruturas internas (ex: miofibrilas) poderiam aumentar. A analogia da cesta de supermercado que farei a seguir pode te ajudar a entender.

Imagine você colocando coisas dentro de uma cesta de supermercado. À medida que a cesta vai enchendo, as coisas que você coloca dentro vão forçando a parede da cesta, fazendo com que ela se expanda. Assim como no caso da cesta, o sarcoplasma teria que expandir para mais coisas caberem dentro.

Em resumo, há quem acredite que é esse aumento interno que forçaria o aumento do sarcoplasma e, claro, da própria célula.

Mas há também quem pense o oposto (Roberts et al. 2020). Ou seja, primeiro o sarcoplasma aumentaria para que depois as miofibrilas e outras estruturas internas pudessem aumentar.

Isso já nos aproxima do próximo tópico, pois quem pensa assim acredita que a hipertrofia sarcoplasmática poderia acontecer antes da miofibrilar. E não só! Isso seria condição para a hipertrofia miofibrilar ocorrer. 

Mas são apenas teorias. Não temos comprovação disso. Ainda não sabemos se há relação causa-efeito entre miofibrilas e sarcoplasma. 

Hipertrofia Sarcoplasmática

Assim como no caso anterior, o que tem sido chamado de hipertrofia sarcoplasmática não é exatamente uma hipertrofia apenas do sarcoplasma, mas uma hipertrofia cujo aumento do sarcoplasma seria predominante.

Ou seja, haveria aumento desproporcional do sarcoplasma em relação ao aumento das miofibrilas (Haun et al. 2019; Roberts et al., 2020).

Roberts et al. (2020) defendem a existência da hipertrofia sarcoplasmática. Citam alguns bons estudos sobre isso. E considerando tais estudos, é muito provável que esse tipo de hipertrofia realmente ocorra. No mínimo seria um fenômeno agudo, na forma de edema, como consequência de danos intramusculares.

Ou seja, esse edema aumentaria o volume hídrico intracelular, aumentando o sarcoplasma. Mas a defesa de Roberts et al. (2020) é que também possa ocorrer de forma crônica, dependendo do tipo de treinamento. Daqui a pouco volto a isso.

Mas considerando o tanto de estudos que já viram hipertrofia miofibrilar acontecer, e mais o tanto de estudos que já viram hipertrofia sarcoplasmática acontecer, os próprios autores do parágrafo anterior reconhecem que essas formas de hipertrofia poderiam ser transitórias. Uma ou outra poderia ocorrer por um tempo, mas não seriam permanentes. É uma tese interessante.

Por exemplo, no estudo de Damas et al. (2018), que darei mais destaque no próximo post, eles mostram que a hipertrofia que ocorre nas primeiras 2 semanas é quase que exclusivamente explicada por retenção hídrica. Mesmo depois de um mês de treinamento, em torno de 50% da hipertrofia ainda é explicada por edema.

Embora esse estudo de Damas et al. não investigou se a hipertrofia era ou não sarcoplasmática, Roberts et al. (2020) acreditam que nessa fase inicial do treinamento a hipertrofia sarcoplasmática teria maior probabilidade de ocorrer. Mas devo reforçar que, por ora, é apenas uma hipótese.

Só para aproveitar que estamos na hipertrofia sarcoplasmática, deixe-me rapidamente falar daquele estudo de MacDougall et al (1982), que citei lá no início.

É um estudo clássico, e até hoje difícil de reproduzir, pois usaram microscopia eletrônica de transmissão, que é uma técnica pouco acessível. O estudo teve dois delineamentos.

No primeiro delineamento, pessoas previamente destreinadas foram submetidas a um treinamento de força por 6 meses. E os autores encontraram reduções nos volumes miofibrilar e mitocondrial de uma amostra do músculo extensor do cotovelo (provavelmente o tríceps braquial), concomitante a um aumento no volume sarcoplasmático. Ou seja, os resultados mostraram que o treinamento causou hipertrofia sarcoplasmática.

No segundo delineamento, eles compararam amostras musculares de 7 atletas de elite (5 do fisiculturismo e 2 do powerlifting) com pessoas destreinadas. E os autores relataram menor volume miofibrilar e maior volume sarcoplasmático nas fibras desses atletas. Portanto, os resultados reforçam que o treinamento de força causa hipertrofia sarcoplasmática. Mas, há algo importante para destacar aqui:

Os autores jamais falaram que houve diferença entre atletas do fisiculturismo e do powerlifting. A gente sabe que fisiculturistas habitualmente treinam com mais repetições e menos carga, e atletas do powerlifting treinam com muita carga e menos repetições.

Então, essa hipertrofia sarcoplasmática teria ocorrido em atletas de ambas as modalidades. E a possível explicação dada pelos autores seria o aumento da retenção hídrica dentro das células.

Mas muita gente cita esse artigo para falar aquilo que o ChatGPT respondeu lá no início. Ou seja, de que a ‘hipertrofia sarcoplasmática’ é induzida por muitas repetições e pouca carga, e que a ‘hipertrofia miofibrilar’ é induzida por muita carga e poucas repetições.  Eu confesso que nunca vi um estudo relativamente robusto mostrando isso.

Não estou dizendo que duvido, mas nem nós e nem o ChatGPT deve afirmar sem evidências.

Embora não seja o tema de hoje, esse mesmo estudo é muito citado para defender que o treinamento de força induz hiperplasia muscular em humanos. Isso porque os autores viram grande diferença de volume muscular em favor dos atletas (medido por perimetria), mas sem diferença estatística no volume das células quando comparado aos destreinados. Com isso os autores inferiram que os atletas tinham mais células que os destreinados. Ou seja, poderia ter ocorrido hiperplasia.

Mas aí tem outra coisa que, creio, as pessoas não prestaram muita atenção. Nem mesmo nossos respeitáveis autores. Explico:

Se você olhar os resultados do estudo verá que matematicamente os atletas tinham 1,27 vezes mais perimetria do braço. Se você dividir o volume celular das fibras tipo II dos atletas pelo volume celular dos sedentários, verá praticamente o mesmo resultado (aprox. 1,29 vezes). No artigo deles, esse resultado está na forma de gráfico, então só permite um resultado aproximado.

Acho que a confusão está no fato de que a perimetria deu diferença estatística, mas o volume celular não. Entretanto, matematicamente não há diferença. E devemos lembrar que a amostra é bem pequena, de modo que o poder estatístico é muito baixo. Não se pode dar muito peso ao resultado estatístico desse estudo.

Até daria para sugerir essa hiperplasia se considerássemos apenas os resultados das fibras tipo I. Mas essas fibras contribuem menos para hipertrofia. Não acho prudente fazer isso.

Em resumo, eu também não duvido que a hiperplasia possa existir, mas dizer que esse estudo é garantia disso é forçar muito a barra.

Então, concluindo essa primeira parte:

Ainda há muita dúvida sobre se a forma dominante de hipertrofia seria a convencional, a miofibrilar ou a sarcoplasmática. E se uma ou outra poderia estar mais associada a diferentes tipos de treinamento. Ainda teremos que esperar para ter clareza sobre esse assunto. E até lá devemos afirmar menos e ponderar mais.

Talvez você me pergunte: Por que é tão difícil descobrir isso? O problema é que as técnicas histológicas envolvem muita manipulação do tecido (ex: desidratação), e isso torna a tarefa difícil para os cientistas.

Sei que há pessoas que não suportam a dúvida, e acabam escolhendo algo para afirmar. Eu, felizmente, convivo bem com a dúvida. Ela não me incomoda. E, por isso, não fico inventando respostas.

Então é isso amigo ou amiga... Obrigado por ler até aqui. E se você gostou, que tal compartilhar com colegas e amigos/as ou nas suas redes sociais. E se você curtir esse post me motivará a continuar escrevendo. E quem quiser receber as novas postagens deste Blog, basta clicar aqui para se inscrever na Newsletter.

Lunz, W. Você sabe classificar a hipertrofia muscular? Ano: 2024. Link: https://www.wellingtonlunz.com.br/post/quais-os-tipos-de-hipertrofia-muscular [Acessado em __.__.____].

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professor wellington lunz

Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Tem se dedicado em transmitir conhecimentos baseados em evidências em diferentes áreas do conhecimento (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site ou e-mail: welunz@gmail.com.br  





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