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Hipertrofia: Quanto mais 'proteína', melhor?

Atualizado: 8 de nov. de 2024


capa post perguntando proteína para hipertrofia muscular: quanto mais melhor?


Prof. Dr. Wellington Lunz - Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

No finalzinho de 2023 foi publicado um excelente artigo (Trommelen et al., 2023) sobre ‘quantidade de proteína e síntese proteica no pós treino de força’, cujo os resultados CONTRARIAM o conhecimento dominante. Siga o texto para entender essa ‘treta’ científica.

Esse artigo rodou nas redes sociais. Mas, como habitual e por várias razões, lá as coisas são apresentadas de forma muito rasa. É um artigo muito interessante, feito por um grupo holandês que é forte na área, e foi publicado numa revista prestigiada.

Essa figurinha abaixo resume o conhecimento atual dominante. Ela sugere que há um limite superior de consumo proteico (o máximo seria de aprox. 30 g de proteínas por refeição), de modo que o consumo acima disso geraria um platô na síntese de proteínas, e que o excesso de proteínas seria oxidado para produzir energia. 

post prof wellington lunz proteínas quantidade consumir

O que o estudo de Trommelen et al. (2023) mostrou é algo bem diferente, e está resumido na próxima figurinha. Até 12h de acompanhamento, o que os autores viram foi que a síntese de proteína continuou aumentando, e a oxidação quase não aumentou (isso permite inferir que a maior parte é usada para síntese).


relação entre consumo de proteína e hipertrofia

E o mais intrigante está resumido na figura seguinte. A síntese foi bem maior para o consumo de 100 g quando comparado a 25 g.; ou seja, não houve o platô sugerido pelo conhecimento dominante.   


relação entre consumo de proteína e hipertrofia

Mas, para que entendam melhor, acho importante uma contextualização histórica. 

 nutricionistas com experiência em diferentes especialidades
O Prof Wellington Lunz apoia e recomenda o Instituto Afficere. Agende sua consulta nutricional.

Em 1997, Stuart Phillips e cols publicaram um artigo que veio a se tornar um clássico. Naquela ocasião, eles mostraram que o pico da taxa de síntese de proteína muscular após uma sessão de treino de força (8 séries, 8 reps, 80% de 1RM) ocorreu em 3h (112%). Em 24h e 48h a síntese foi reduzida para 65% e 34%, respectivamente.

Isso fez com que muitos leitores acreditassem que as primeiras 3h eram uma 'janela de oportunidade' essencial para se ingerir proteínas. A interpretação que fizeram foi: ‘Não podemos deixar de comer proteínas nas primeiras 3h’.

E perceba o problema dessa interpretação: Os cientistas desse estudo mediram apenas em 3 pontos temporais (3h, 24h e 48h). Ou seja, interpretar que até 3h é melhor sem saber o que ocorreu em 4h, 5h, 6h, 7h, 8h, etc., é um salto indutivo. Triste é saber que muitos professores doutores contribuíram para essa interpretação.

Mas vários estudos posteriores, incluindo do próprio grupo do Stuart Phillips, mostraram que consumir proteínas antes, durante, logo após, ou bastante tempo depois do treino dá resultado SIMILAR para hipertrofia muscular.

Repare que esse estudo de 1997, do Stuart Phillips, é sobre SÍNTESE de proteína, e não sobre HIPERTROFIA muscular (massa muscular). Daí vem a confusão. As pessoas leem artigos sobre síntese de proteínas, mas inferem (erradamente) sobre hipertrofia muscular. E por que não são a mesma coisa?



Para que ocorra hipertrofia muscular é necessário que a síntese seja superior ao catabolismo proteico. Então, não é só efeito da síntese. Além disso, a síntese proteica não é algo exclusivo de músculo e de miofibrilas. Ocorre em diferentes tecidos e diferentes estruturas celulares. Por exemplo, corredores de longa distância experienciam elevadíssima síntese de proteína depois da corrida, mas não ficam musculosos.

Atualmente há técnicas que conseguem identificar aminoácidos que vão para miofibrilas e os que vão para outras estruturas e organelas (ex: citoesqueleto, mitocôndria, reparação tecidual de toda sorte). E, também, síntese não é um processo linear. A taxa de síntese não é igual entre iniciantes e avançados em treinamento de força (nem na cinética, nem na magnitude). 

No estudo de Stuart Phillips e cols (1997) eles também avaliaram o catabolismo proteico. Mas muitos pesquisadores torcem o nariz para as medidas de catabolismo proteico. Dizem que as técnicas atuais não são tão sensíveis quanto as de síntese.

Mas a crença nessa estreita ‘janela de oportunidade’ (3h) existe até hoje (quase 30 anos depois). Mas, na ciência, há quem enfatize que é algo bem maior, e alguns chamam de ‘porta de celeiro de oportunidade’ (barn door), pois pode ser num espaço de tempo muito mais amplo.

Outros estudos depois mostraram que o consumo superior a aprox. 30 g de proteínas gerava um platô da síntese (conforme a primeira figura).

Esses estudos com síntese de proteína são lindos e sofisticados. Envolvem isótopos estáveis associados a aminoácidos específicos (normalmente leucina e fenilalanina). Como esses aminoácidos são ‘marcados’ (isótopos), depois de ingerir os cientistas investigam o destino tecidual desses aminoácidos. É muito legal!

Entretanto, há coisas que me incomodam nessa história de síntese de proteína. Razão pela qual não leio tudo que aparece sobre o assunto. Explico:

Os resultados desses estudos com síntese de proteína não batem bem com nossa realidade prática. Na prática a gente vê que a maioria dos fisiculturistas treina cada músculo de interesse APENAS uma vez na semana, e o ganho muscular é elevadíssimo. Se o pico de síntese de proteína ocorre, por exemplo, entre 3h e 16h (juntando resultados de vários artigos), e depois cai em direção ao basal, como é possível um único estímulo semanal gerar ganhos de massa muscular progressivos?

E é também intrigante o seguinte: Porque estímulos diários (ou até mais que um por dia) não geram ganhos de hipertrofia maiores que treinar, por exemplo, 2 vezes por semana? De fato, se o volume de treino for igual, dá o mesmo resultado treinar 2 ou 5 vezes por semana (já citei vários artigos desses em posts anteriores). E nesse caso não me refiro só a fisiculturistas. Vale para qualquer pessoa! Ou seja, não tem a ver com eventual uso de anabólicos (caso tenha pensado nisso no final do parágrafo anterior). 

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Mas algo que vale enfatizar é que o treino de força por si é mais anabólico que catabólico. Ou seja, o treino de força é o que realmente gera uma oportunidade.

Tendo essas coisas em mente, voltemos ao artigo de Trommelen et al. (2023). Vou explicá-lo. Os cientistas deram duas doses diferentes de proteínas (25g e 100g), tanto via dieta quanto intravenoso, e fizeram medidas em 4h, 8h e 12h. Essa entrega de proteínas ocorreu após uma sessão de treino de força. E viram várias coisas interessantes:


1) O pico de incorporação de aminoácidos nas miofibrilas foi em 12h, sem tendência de diminuir. Ou seja, se eles tivessem medido por mais de 12h, provavelmente viriam que o pico é depois disso. Enquanto havia aminoácidos “sobrando” na corrente sanguínea (hiperaminoacidemia), a síntese proteica não parou. 

2) A magnitude da disponibilidade de aminoácidos na corrente sanguínea e de incorporação de aminoácidos marcados foi bem maior para o consumo de 100 g do que para 25 g.; ou seja, 100 g gerou maior hiperaminoacidemia e maior síntese proteica. 

3) Os autores não viram taxa de oxidação aumentada de proteínas, mostrando que após uma sessão de treino os aminoácidos são preferencialmente usados para síntese proteica, e não para fornecer energia.

Os resultados dos itens 2 e 3 contrariam estudos anteriores que diziam que acima de aprox. 25 a 30 g não haveria incorporação adicional de aminoácidos nas miofibrilas, e que esse excesso seria oxidado.

4) Houve alta correlação (coeficiente de determinação = 0,96) entre consumo de proteínas e balanço proteico positivo. Ou seja: ‘quanto mais proteínas, melhor’ (obs: o estudo permite interpretar até 100 g).

5) A estimativa deles é que a taxa de síntese proteica no músculo esquelético foi de aprox. 12% a 18%. Ou seja, para cada 100 g de proteínas consumidas, 12 a 18 g foram para a síntese muscular esquelética. E esse percentual foi linear com a duração e, portanto, mais alto perto das 12h. E se tivessem medido por mais de 12h, teriam provavelmente visto maior percentual. 

Como se percebe, nem tudo vai para síntese miofibrilar. Os autores inclusive viram que muitos aminoácidos vão para tecidos conectivos. 

6) Curiosamente, a análise de biologia molecular relacionada a fosforilação proteica (atividade proteica) não mostrou diferença expressiva de praticamente nada que mediram quando comparado ao controle (0 g de ingestão proteica). E eles mediram muiiiiita coisa relacionada a síntese de proteína (ex: mTOR, p70SK, 4E-BPE1, RS6), a autofagia (beclin1, LC3b, Atg12), a energia celular (proteína ACC) e inibidor da hipertrofia (miostatina). E teve ainda medida de RNAm de um monte de outras coisas associadas à atrofia. 

Como os autores fizeram a primeira medida às 4h, a crença deles é que a atividade dessas proteínas são eventos que ocorrem antes das 4h. Seja como for, é intrigante imaginar que uma atividade proteica não sustentada dessas proteínas seja suficiente para manter a síntese de proteínas por mais de 12h, e em escala progressiva (linear ascendente). 

Sobre a sessão de exercício que foi feita, ainda não contei aqui. Envolveu alguns exercícios, mas podemos focar apenas no quadríceps, pois eles usaram tecido do vasto lateral. E para o quadríceps foram 8 séries (4 de leg press e 4 de cadeira extensora) de 10 reps. A intensidade variou de 65% a 85% de 1RM. 

Trata-se de um estudo sobre um tema que tenho pouca experiência do MÉTODO científico, de modo que eu fico refém da narrativa dos autores. Mas fico mais tranquilo em compartilhar esses resultados porque vi nas redes sociais que o próprio Stuart Phillips, que é um dos principais nomes (talvez o principal) em estudos com síntese de proteínas usando isótopos marcados, elogiou o estudo.

Seja como for, os resultados me parecem menos desalinhados com a realidade prática. Mas, ao mesmo tempo, quando os autores afirmam no artigo que não houve limite superior para a síntese proteica, é preciso uma ponderação:

'Muitos estudos mostram que consumir mais que aprox. 2 ou 2,5 g de proteína por kg de peso não oferece ganho superior de massa muscular (ex: 200 a 250 g de proteínas para uma pessoa de 100 kg). Isso sugere que a ingestão de mais de 100 g de proteína encontrará, em algum momento, um limite sim.'

Por fim, uma curiosidade que eles contam na introdução: ‘Você sabia que há cobras que ingerem uma enorme refeição (~ 25% da massa corporal) a qual resulta em prolongada digestão de proteínas e de absorção de aminoácidos, e taxas elevadas de síntese proteica que ocorrem por até 10 dias (pasmem!), e com apenas 5% dessas proteínas sendo oxidadas.

Ou seja, quase tudo vai para síntese, e esse processo de síntese ocorre por muiiiitos dias. Os autores citam isso como forma de questionar se em humanos a coisa não poderia ser mais duradoura do que tem se acreditado. E, de fato, nossa experiência com fisiculturistas sugere algo mais perto das cobras (rs! já tô vendo entusiastas tatuando cobras no corpo) do que dos estudos científicos com síntese de proteínas conduzidos até o momento em humanos. 

E como o tema hoje é sobre "nutrição esportiva", aproveito para divulgar o Instituto Afficere, que é da minha esposa (Nutricionista, Mestre em nutrição e Doutora em fisiologia) e sua sócia. Se precisarem de serviços em nutrição de EXCELÊNCIA, lembrem-se do Instituto Afficere.

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E em tempos de escritas por inteligência artificial (ex: chatGPT e bard), vale dizer que essa postagem NÃO usa isso. É feita exclusivamente das minhas leituras e interpretações.

E se quiser citar essa postagem, pode ser mais ou menos assim:

Lunz, W. Hipertrofia: Quanto mais 'proteína', melhor? Ano: 2024. Link: https://bit.ly/48WnRr8 [Acessado em __.__.____].

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prof wellington lunz

Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Tem se empenhado em transmitir conhecimentos baseados em evidência em diferentes áreas (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site, e-mail: welunz@gmail.com.br  




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