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Envelhecimento biológico: O treinamento físico pode combater?

Atualizado: 20 de fev.



"No estudo NHANES a idade biológica se mostrou um preditor da mortalidade mais forte que a idade cronológica."


Autor: Prof. Dr. Wellington Lunz


A tenista Martina Navratilova venceu seu último torneio de tênis em Wimbledon aos 46 anos. Roger Federer, também tenista e recordista de títulos de Grand Slam, continua entre os 5 maiores do mundo perto de completar 40 anos. Kazuyoshi Miura, 53 anos, ainda é jogador de futebol da principal liga japonesa e, em 2020, se tornou o atleta mais velho a jogar uma partida de futebol profissional. E as informações que tenho é que ele renovou o contrato no início desse ano de 2020.

Ed Whitlock, Canadense, aos 48 anos correu sua primeira maratona com tempo inferior a 3h. Aliás, alerto que não tenho acesso aos seus tempos oficiais, e as informações que eu consegui são informações livres na internet. Mas várias fontes na internet relatam uma mesma coisa, de que aos 73 anos de idade ele concluiu uma maratona com o INACREDITÁVEL tempo de 2h54min. Nessa idade, completar uma maratona já seria algo extraordinário... esse tempo é de causar inveja a qualquer jovem corredor de longa distância. Alguns anos antes, aos 68 anos de idade, ele já havia feito seu melhor tempo em uma meia maratona (1h20m33s).

Infelizmente Ed Whitlock morreu aos 86 anos, vítima de um câncer... mas no ano anterior, aos 85 anos, ele havia completado uma meia maratona. A vida terminou, mas foi uma vida plenamente ativa.



John Starbrook, Inglês, completou a maratona de Londres por 32 vezes, sendo a pessoa com mais idade a completar uma delas: Aos 87 anos. Ele começou com corridas de longa distância aos 53 anos (link).

Robert Marchand, Francês, havia dito em 2017 que iria se aposentar do ciclismo após ter batido o recorde em sua categoria. Na ocasião ele tinha pouco mais de 105 anos de idade! Mas desistiu da ideia de aposentar e voltou ao pedal aos 106 anos para novo recorde.

Agora indo para o mundo do 'treinamento de força'. Há muitos anos o primeiro a me impressionar, e certamente todos da minha geração, foi o ‘Dr. Life’. Dê uma ‘busca’ rápida na internet por ‘Dr. Life’ (busque imagem) e verá por que impressiona.

Lee Pao-kang é um fisiculturista Taiwanês, campeão de muitos torneios importantes em seu país. Seu último título foi aos 58 anos de idade. Parece que se aposentou aos 65 anos, mas com corpo que muitos jovens almejam (veja na foto abaixo, ele e Ernestine Shepherd, nossa próxima personagem...). Ernestine Shepherd é uma fisiculturista que competiu pela primeira vez aos 71 anos de idade. Aos 81 anos fazia supino com mais de 50 kg. E, sim, ela continua muito bem em 2020, com 84 anos.


George Hood, norte-americano, aos 62 anos quebrou o recorde de tempo na prancha abdominal... 8 horas. Nunca testei meu máximo na prancha, mas certamente não passa de alguns míseros minutos (nem sei se no plural...rs)!

Há muitos outros exemplos mundo a fora... aliás, se você buscar imagens na internet usando os termos “athletes over 80 years old”, você ficará absolutamente impressionado.

Então, considerando esses exemplos, podemos afirmar que o treinamento físico combate o envelhecimento biológico?

Até podemos afirmar que 'sim', mas não exatamente por causa dos exemplos que citei. Pois, do ponto de vista científico, a forma como descrevi acima é bastante enviesada. Embora eu tenha associado desempenhos atléticos a uma grande qualidade funcional, temos que lembrar que há vários outros componentes importantes que afetam a idade biológica, mas que eu não mencionei. Por exemplo, não mencionei sobre os hábitos alimentares, uso (ou não uso) de drogas lícitas e ilícitas, estresse e capacidade de gerenciar estresse, entre outros.



Sabemos que o exercício físico aumenta a qualidade funcional e a expectativa de vida, mas, em relação a esse último, a magnitude não é tão grande como alguns poderiam supor considerando as descrições que fiz... a magnitude tem ficado em torno de 3 a 6 anos a mais de vida (Wen et al., 2011; Hallal et al., 2012; Wen & Wu, 2012). Isso considerando apenas o efeito isolado do exercício físico. Também sabemos que o sedentarismo mata mais que o tabagismo (Lee et al, 2012).

Há, claro, outras discussões muito relevantes, como a importância do exercício físico em aumentar a qualidade funcional... uma coisa é viver 84 anos como o Ed Whitlock, e outra, bem diferente, é passar os últimos 10, 20 ou 30 anos com pouca ou nenhum independência funcional.

E, também, é habitual que pessoas que decidem por uma vida mais ativa passem a ter outros hábitos saudáveis: reduzem ou param de fumar (inclusive mostramos essa associação em um estudo nosso; Lunz et al., 2010) ou ingerir álcool, se alimentam de forma mais saudável e passam a ter uma vida social mais ativa. Essas coisas, por sua vez, geram outros eventos positivos como redução do peso gordo (o que diminui o estado inflamatório crônico), melhora do sono, melhora do estado de humor, maior autocuidado, menor estresse, ganho de competência motora (o que reduz quedas em idosos), maior motivação... e talvez eu ainda esteja esquecendo algo.

Aproveitando que estamos convivendo com a pandemia Covid-19, a forma como eu descrevi os casos de sucesso no início desse post não é muito diferente do que muitas pessoas más intencionadas (inclusive muitos da área de saúde) fazem sobre a relação ‘cloroquina vs. Covid-19’. Se uma doença tem 1 a 3% de fatalidade, isso significa que de 100 acometidos pelo menos 97 conseguirão sobreviver sem quaisquer intervenções importantes. Portanto, não se pode afirmar que uma pessoa sobreviveu porque tomou cloroquina. Aliás, nesse caso, dizer que foi cloroquina, ou água, ou café, um lanche, um banho quente ou frio, um chiclete, dá no mesmo!

Ou seja, não se pode com esse 'desenho enviesado' se afirmar isso. Até onde acompanhei, os desenhos bem conduzidos não mostraram, infelizmente, efeitos importantes da cloroquina contra os efeitos do vírus Covid-19.

A relação que fiz (principalmente da forma como fiz) entre 'atletas e envelhecimento biológico' é o que Dr. Antonio Damasio, em seu livro 'O erro de Descartes' chama de ‘glória por aproximação’ (se ele não chama exatamente assim, é algo parecido!). O que seria isso?

Bom... se eu coloco algo muito positivo (neste caso é o desempenho funcional) junto com outra variável qualquer, o cérebro automaticamente fará uma associação positiva das duas coisas, embora nem sempre haja qualquer correlação... são por coisas como essas que políticos, de modo geral, sempre querem aparecer do lado de um time campeão!

Mas, voltando a ideia inicial do post que é falar de 'idade biológica', os exemplos iniciais tiveram sim esse propósito. Isso porque esse choque que temos ao ver que um dado desempenho está muito diferente do que temos por concepção, nos ajuda a perceber o que é ‘idade biológica’ (mesmo sem saber o conceito exato). De modo geral o estado biológico acompanha o cronológico, e por isso temos uma percepção geral de como uma pessoa deve ser ou estar, funcionalmente falando, para cada idade.

Se do ponto de vista fisiológico e funcional ficamos distantes daquilo que é ‘normal ou esperado’ para uma idade cronológica, então estamos falando de um 'corpo biológico' que não é distinto do 'cronológico'. Mas como definir a idade biológica?

Sabemos que há um ritmo de deterioração biológico em vários sistemas orgânicos (ex: pulmonar, cardiovascular, renal, hepático, imunológico, periodontal, muscular, etc.) à medida que envelhecemos. Por consequência, haverá disfunção física e funcional. Aqui temos uma condição de mão dupla, uma vez que o sedentarismo também compromete funções biológicas.

Então, considerando isso, é possível estabelecer uma curva de normalidade em relação a essas condições para diferentes faixas etárias. Por exemplo, se uma pessoa de 20 anos de idade apresentar disfunções biológicas e funcionais que apenas são esperadas na idade de 60 anos, então teremos aqui uma representação de um envelhecimento biológico precoce.

O inverso também é verdadeiro, ou seja, se uma pessoa de 60 anos apresentar características biológicas e funcionais típicas de um jovem de 20 anos, então temos uma pessoa com idade biológica muito menor que a esperada. E esse foi o objetivo dos exemplos que dei no início dessa postagem. Aliás, segue mais um exemplo: O professor Norman Lazarus, ciclista de longa distância, aos 80 anos participou de um estudo onde constataram que o sistema imunológico dele era similar à de um jovem de 20 anos.

Eu disse quase tudo isso até o momento para chegar no estudo que citarei agora, realizado por Belsky e Cols (2015). Esse grupo de cientistas estudou o envelhecimento em 954 pessoas, em estudo chamado Dunedin Study birth cohort. Nessa coorte os pesquisadores fizeram várias medidas em diferentes idades (26, 32 e 38 anos), rastreando 18 biomarcadores associados ao processo de envelhecimento. Vou citar alguns desses biomarcadores: Aptidão cardiorrespiratória, função pulmonar, relação cintura-quadril, pressão arterial, comprimento do telômero de leucócitos, depuração da creatinina, colesterol HDL, triglicerídeos. Interessante notar que desses marcadores citados, vários são positivamente afetados pelo exercício físico.



Posteriormente os pesquisadores estimaram a idade biológica usando uma equação que foi proposta por outro grande estudo (chamado NHANES, e que envolveu 9.000 pessoas). Tal equação contém 10 marcadores representativos da diminuição da integridade de vários sistemas orgânicos. A propósito, como conhecimento adicional muito interessante, no estudo NHANES a idade biológica se mostrou um preditor da mortalidade mais forte que a idade cronológica.

O que os pesquisadores identificaram foi que muitas pessoas jovens eram biologicamente mais velhas. A idade biológica dessas pessoas variou de 28 a 61 anos de idade. Portanto, havia pessoas cronologicamente jovens, mas biologicamente "velhas". E verificaram também que as pessoas que envelheciam precocemente eram menos funcionais fisicamente, apresentavam declínio cognitivo e cerebral, e relatavam saúde pior.

Especificamente em relação a alguns aspectos da capacidade física, há outras coisas interessantes. Os autores relatam que na gerontologia a capacidade física diminuída (ex: menor velocidade dos passos) é uma indicação importante do declínio da saúde relacionada ao envelhecimento. E nesse estudo de Belsky e Cols, as pessoas com idade biológica mais avançada tiveram um desempenho pior em testes de desempenho físico. Eles tinham mais dificuldade com testes de equilíbrio e motores, tinham menos força de preensão manual, e se percebiam com menor capacidade física.

Para concluir, e não apenas por causa de último estudo supramencionado, podemos afirmar que o treinamento físico contribui para o rejuvenescimento biológico, seja de forma direta (ex: melhorando a capacidade funcional, modificando vários componentes fisiológicos) ou indireta (ex: melhores hábitos). Não podemos voltar o tempo, mas podemos desacelerar a deterioração orgânica.

E quero deixar algumas últimas informações a quem tem nos acompanhado. Esse é o último post desse ano de 2020. Vamos nos dar um recesso nesse final de ano. Apesar das dificuldades de 2020 (pandemia Covid-19 desde março) que nos obrigou a reinventar a forma de nossas vivências, fim de ano é sempre tempo de um descanso para reflexão sobre o que podemos FAZER para termos um 2021 melhor. Boas festas... cuidem-se! Em 2021, no meio de janeiro, já devemos retornar as postagens.

Até o próximo post (em 2021)!


Clique aqui e acesse videoaulas no 'Canal Prof. Wellington Lunz'.





REFERÊNCIAS:

As referências estão como link nos autores descritos no post.

 

Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Também tem um canal no YouTube: (youtube.com/@prof.wellingtonlunz) onde transmite conhecimentos baseados em evidência de diferentes áres (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site, e-mail: welunz@gmail.com.br 



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