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Que tal correr 250 km por semana durante 20 semanas seguidas?

Atualizado: 8 de nov. de 2024



"(...) E o resultado mais intrigante foi que o gasto energético total (GET) nos primeiros 5 dias de corrida foi de ~ 6202 kcal/dia. Mas na semana 20 esse GET caiu ~ 20% (1224 kcal/dia), ficando em torno de ~4906 kcal/dia."


Prof. Dr. Wellington Lunz - Universidade Federal do Espírito Santo 


Que tal correr 250 km por semana, durante 20 semanas seguidas? Isso dá aproximadamente 6 maratonas (42,2 km) por semana, durante aproximadamente 5 meses seguidos.

Acredite, há pessoas que fazem isso!

Trata-se da ‘Race Across the USA’ (RAUSA). São quase 5 mil km! Os/as atletas cumprem essa distância entre 100 a 140 dias (14 a 20 semanas).

Embora a ‘prova’ em si permite horas de discussão, com diferentes olhares, o que eu quero hoje é apresentar minha interpretação sobre um estudo (esse > Thurber et al., 2019) que se interessou em investigar o gasto energético (GE) e o comportamento desse GE em alguns atletas que disputaram essa prova.

O estudo foi publicado numa prestigiada revista: Science Advances. Interessante dizer que usaram uma amostra de apenas 6 atletas para medida do GE total (GET), e apenas 3 atletas para medida do GE basal (GEB). Usaram água duplamente marcada para medir o GET, que é considerada padrão ouro.

Até chamei atenção recentemente no meu instagram de que amostra pequena não significa trabalho insignificante.

E o resultado mais intrigante desse estudo foi que o GET nos primeiros 5 dias de corrida foi de ~ 6202 kcal/dia. Mas na semana 20 esse GET caiu ~ 20% (1224 kcal/dia), ficando em torno de ~4906 kcal/dia. Mas como isso é possível?

Há um conhecimento clássico que estabelece que a ‘distância’ é o fator mais determinante para o GE da CORRIDA. Ou seja, se você correr nas velocidades de 10 km/h ou 20 km/h, o GE será similar para uma mesma distância (ex: 1 km). A única diferença, nesse caso, é que quem correr mais rápido cumprirá a distância num tempo menor (chegará antes).

Particularmente uso uma lógica simplificada para facilitar os cálculos, que é mais ou menos assim:

1 kcal x Kg peso x km



Como tenho 75 kg, significa que meu GE na corrida é de 75 kcal para cada quilômetro. Isso apenas é válido para percursos no plano. Quando há inclinação é necessário usar equações mais complexas, pois exige uma correção.

Esse artigo que estou trazendo usou uma equação levemente diferente dessa minha:

0,934 kcal x Kg peso x km


Ou seja, em vez de usar ‘1’ eles usaram ‘0.934’. Essas equações variam um pouco dependendo do estudo originário.

Mas estou explicando essa lógica toda para dizer que 42,2 km no primeiro dia deveria gerar o mesmo GE que 42,2 km no último dia de prova. Mas não foi o que aconteceu... na verdade o GE seguiu uma forte relação logarítmica negativa (r ao quadrado = 0,98) com a duração do evento.

Isso significa dizer que começou com GE alto, caiu rapidamente nas primeiras semanas, e depois de algumas semanas se manteve estável até o final.

Mesmo após os autores terem corrigido pelo peso corporal e distância diária, pois ambos mudaram durante esse longo evento, o GET continuou reduzido em ~596 kcal/dia na semana 20.

Ou seja: ‘Houve ajustes metabólicos para reduzir o GET?’ O organismo se adaptou para gastar menos energia? Para os autores, a resposta é SIM. Mas...

...Mesmo artigos publicados na Science não estão livres de questionamentos. E há uma coisa muiiiito esquisita, que claramente foi omitida pelos autores (ou eu não entendi o estudo).

Vou colocar abaixo a Figura 2 do artigo para você entender. Essa figura divide o GET nos seus componentes, que são:


>> A taxa metabólica de repouso (sigla BMR, na figura)

>> Efeito térmico do alimento (sigla TEF, na figura)

>> Exercício físico, que nesse caso foi a ‘corrida’ (sigla RUN, na figura)




E, repare, que eles colocaram uma sigla chamada OTHER. Já voltarei nisso.



Mas antes, olhe as duas colunas que estou apontando com setas pretas. Apenas essas colunas nos interessa, pois refere-se ao GET medido (observado).

Repare nessas duas colunas que o componente que mais sofreu alteração foi o OTHER. Repare também que o GE da corrida e o BMR mudaram pouco. Isso significa que a explicação do ‘tal ajuste energético’ não parece ser uma adaptação nem da CORRIDA e nem da BMR (taxa metabólica de repouso).

A explicação está, portanto, no OTHER. Mas o que é esse OTHER?

Pois é, os autores omitiram essa discussão. Na minha interpretação, esse OTHER é explicado principalmente por aquilo que tem sido chamado de NEAT (Non-exercise activity thermogenesis). E 'o que é o NEAT?’

Trata-se do GE induzido principalmente por atividades físicas rotineiras, como caminhar em casa, levantar do sofá, escovar os dentes, lavar louças, arrumar a cama, etc... atividades que não entram como exercício físico, mas que geram GE.

Mas os autores não fizeram correção do GE pelo OTHER. Se tivessem feito, muito provavelmente não restaria quase nada para dizer que houve adaptação na corrida. Ou, se houvesse, seria insignificante. Após essa correção pelo OTHER, a diferença seria de, talvez, 100 a 200 kcal... E, nesse caso, 100 a 200 kcal poderiam até ser explicados por coisas como 'economia de corrida'.

Mas ainda podemos questionar outra coisa: Será que nas últimas semanas esses atletas não teriam caminhado parte do trajeto? Na caminhada o GE para uma mesma distância parece ser quase a metade do GE da corrida (ver Rubenson et al., 2007).

O que eu creio que aconteceu foi que nos primeiros dias de corrida, esses atletas deviam ter um NEAT maior que nas semanas posteriores. Ou seja, depois de algumas semanas de prova, os atletas possivelmente usavam a maior parte do tempo ‘pós corrida’ para descansarem o máximo possível. Afinal, são ~42 km diários por várias semanas. É insano!


Realmente não acredito que os autores tenham deixado passar isso por puro deslize. É um resultado muito claro. Salvo melhor juízo e melhor interpretação, o que vejo é omissão para vender a narrativa que interessava aos autores. Também não sei como revisores não pediram essa correção pelo OTHER, porque estava claramente apresentado na figura.

Em resumo: Após tudo isso, não acredito que tenha havido adaptação energética à medida que as semanas passaram (e se houve, foi bem pequena). Não saio convencido!

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Até a próxima postagem!


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Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Também tem um canal no YouTube: (youtube.com/@prof.wellingtonlunz) onde transmite conhecimentos baseados em evidência de diferentes áres (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site, e-mail: welunz@gmail.com.br 


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