Prof. Dr. Wellington Lunz - Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
O American Heart Association (Associação Norte-Americana do Coração) fez um recente posicionamento científico (dezembro de 2023), publicado na prestigiada revista Circulation (aqui), onde declara que o treinamento de força (TF) protege contra doenças cardiovasculares (DCV) e reduz, ainda que modestamente, fatores de risco cardiovasculares.
Aqui no Brasil, o que chamamos de MUSCULAÇÃO tem sido a forma mais habitual de TF. Os estudos científicos com TF também, na maioria, fazem protocolos típicos do que chamamos aqui de musculação. Mas há outras formas de TF.
Mas é sobre um aparente paradoxo que quero discutir aqui: ‘O TF protege bastante (~15% a 17%) contra doenças cardiovasculares e mortes induzidas por tais doenças (embora não só), mas tem efeito modesto sobre os fatores de risco cardiovasculares.
Até pouco tempo não se acreditava que o TF poderia proteger contra DCV ou mortalidade por causas cardíacas, pois seus efeitos sobre os fatores de risco eram sempre pequenos nos diferentes estudos.
Mas depois começaram a aparecer alguns estudos epidemiológicos, sendo alguns deles liderados pelo já lendário cientista Steven Blair (que infelizmente faleceu recentemente) mostrando associação inversa entre TF e DCV, e entre TF e mortalidade, tanto por DCV como por todas as causas. A magnitude desse efeito protetor se mostrava similar a já bem documentada magnitude relacionada aos exercícios aeróbios.
O documento atual fala em torno de 15% a 17% de redução de risco, mas lembro que nos estudos do S. Blair a magnitude era maior ainda.
Seja como for, sabe-se que o TF não reduz de forma expressiva os fatores de risco cardiovasculares, mas protege o sistema cardiovascular. Mas como isso é possível?
Minha tese é que o somatório desses vários pequenos efeitos sobre fatores de risco cardiovasculares clássicos (ex: pressão arterial, glicemia, dislipidemia, obesidade, fitness cardiovascular) e não clássicos (ex: rigidez arterial, inflamação, fibrinólise e coagulação, função endotelial, depressão e ansiedade, sono, qualidade de vida) geram um efeito expressivo na proteção cardiovascular.
E antes de eu falar um pouco das magnitudes desses efeitos, há outra coisa muito importante! A dose de TF para alcançar tais benefícios é pequena. Algo em torno de 30 a 60 minutos por SEMANA, com intensidade de 40% a 80% do esforço máximo. Perceba: Basta fazer algo como 20 min (3 x/semana) ou 30 min (2 x/semana).
Agora vamos a alguns números para você entender melhor sobre essa história de “pequenos efeitos, mas grandes resultados”.
O documento diz que a redução da pressão arterial é de ~ 1 mmHg em adultos jovens, ~ 2 a 4 mmHg em adultos saudáveis de meia-idade e idosos, ~ 3 mmHg para pré-hipertensos e ~ 5 a 6 mmHg para hipertensos. Ou seja, são números modestos, embora quando se considera as milhões de doenças e mortes induzidas por hipertensão, essa pequena redução salva bastante gente mundo afora.
Para a glicemia de jejum a redução é de ~ 2 a 5 mg/dL para idosos, pré-diabéticos e diabetes tipo 2, mas sem efeito em jovens e saudáveis. Novamente parece pouco, mas é suficiente para estudos mostrarem que quem pratica TF tem incidência 17% menor de diabetes quando comparado a quem não pratica.
Para o perfil lipídico o TF aumenta o HDL (popularmente chamado de bom colesterol) entre ~ 2 a 12 mg/dL, reduz o colesterol total em ~ 8 mg/dL, reduz triglicerídeos em ~ 7 a 13 mg/dL. Para o LDL (o mal colesterol) os efeitos são menos consistentes. Há estudos que mostram redução de ~ 10 a 13 mg/dL do LDL, mas há estudos que não encontram diferença. A possível explicação para tais divergências é que os efeitos são melhores para pessoas mais velhas e com perfil lipídico pior. Ou seja, quem mais precisa é quem mais se beneficia. Mas, novamente, são números modestos, e nem sempre consistentes.
Em relação à composição corporal, o aumento da massa muscular é bastante evidente. Embora o AHA tenha citado alguns estudos com ganhos de massa muscular medíocres, há várias dezenas de estudos mostrando ganho de massa muscular muito expressivo com o TF (pelo menos quando se faz algo parecido com a musculação... nem toda forma de TF gera bons efeitos).
Por outro lado, os dados citados pelo AHA relacionados a redução do percentual de gordura estão coerentes com o que tenho visto. Essa perda de gordura induzida pelo TF é realmente pequena. Eles citam algo em torno de ~ 1 a 1,6% de redução de gordura.
Mas recentemente fiz um post (aqui) sobre a aparente importância do ganho de massa muscular em prevenir o ganho de massa gorda. Depois dê uma lida, pois vale a pena!
O Próprio AHA cita uma revisão sobre essa história de atenuar o ganho de peso. E isso é algo muito importante. Eu chamo de resistência ao ganho de peso gordo. Mas em relação à perda direta de massa gorda, como se vê, o efeito do TF é pequeno.
Para a aptidão cardiorrespiratória, que é um fator positivamente associado à saúde cardiovascular, novamente o efeito do TF é pequeno (~1 a 3 mL/kg/min no VO2max). Esse efeito, entretanto, passa a ser bastante expressivo em pessoas com doenças coronarianas (17% de melhora). Que é quase tão alto quanto o treinamento aeróbio (21% de melhora).
O documento ainda fala do efeito do TF sobre outras condições clínicas ou fatores associados a DVC não clássicos (ex: rigidez arterial, inflamação, fibrinólise e coagulação, função endotelial, depressão e ansiedade, sono, depressão e ansiedade, qualidade de vida). Novamente, para tudo isso os efeitos ficam entre nulo, pequeno ou, no máximo, moderado.
O documento também fala rapidamente de vários grupos especiais (ex: gestantes, HIV positivo, Alzheimer, doença renal, etc.).
E como documento científico não é rede social, eles também chamam atenção de que o TF não é uma panaceia. Por isso, há várias contraindicações absolutas, e outras relativas. Normalmente referem-se a doenças graves, com quadro clínico avançado (embora não só).
Mas muitas destas contraindicações estão mais associadas à falta de estudos do que relacionadas a riscos realmente comprovados.
E embora esse documento tenha sido comemorado por vários pesquisadores importantes (alguns famosos) da área de TF e hipertrofia, eu senti falta exatamente desses pesquisadores estarem no grupo que escreveu o documento. Não é razoável que uma associação não associada ao TF não convide os principais pesquisadores da área. Isso explica algumas coisas pouco fundamentadas que vi lá.
Bom, mas ficarei por aqui para o texto não ficar muito longo. O artigo está disponível gratuitamente aqui. O que dá para concluir por ora é que os estudos mostram claramente uma associação inversa entre ‘TF e proteção cardiovascular’ e ‘TF e mortalidades por DCV e todas as causas’. E minha interpretação é que tais efeitos possam ser explicados pelo somatório desses pequenos efeitos positivos das muitas variáveis cardiometabólicas. Ou seja: “Pequenos efeitos = grandes resultados”.
E só antes de concluir vale a pena mencionar que vários benefícios citados aqui são amplificados quando o TF é somado ao aeróbio.
E com exceção ao ganho de massa muscular, cujo o treinamento aeróbio não oferece grandes resultados, para todos os demais efeitos apresentados o treinamento aeróbio oferece resultados iguais ou superiores ao TF.
Ou seja, quem faz aeróbio e não gosta ou não pode fazer TF, perderá principalmente o benefício do ganho de massa muscular (mas é uma perda bastante relevante, pois o músculo esquelético é o maior “órgão” endócrino do corpo... lembre-se que aqui estou falando só de coisas associadas a saúde cardiovascular, mas há muito mais coisas, ex: saúde óssea, sistema imune, sistema digestivo e hepático, tecido cerebral, estética).
Por outro lado, quem gosta de TF e não gosta ou não pode fazer aeróbio, esse documento será recebido com alegria.
E se não conhece meu canal no YouTube, deixo aqui o convite. Há muita coisa legal lá. No meu site há também há livro e capítulos gratuitos. E se quiser citar esse post, pode ser mais ou menos assim:
Lunz, W. Musculação protege seu CORAÇÃO. Ano: 2023. Link: https://bit.ly/4agbl7s [Acessado em __.__.____].
E acho útil dizer que, em tempos de escritas por inteligência artificial (ex: chatGPT e bard), minhas postagens NÃO usam isso. São feitas exclusivamente das minhas leituras e interpretações. E, se puder, curta e compartilhe para ajudar a projetar a postagem.
Clique aqui e acesse videoaulas no 'Canal Prof. Wellington Lunz'.
Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Também tem um canal no YouTube: (youtube.com/@prof.wellingtonlunz) onde transmite conhecimentos baseados em evidência de diferentes áres (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site, e-mail: welunz@gmail.com.br
Comments