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Hipertrofia NÃO te deixa forte?

Atualizado: 23 de abr.


hipertrofia não aumenta força muscular



Prof. Dr. Wellington Lunz

Se há algo que não temos dúvida é que a hipertrofia muscular não explica completamente a força muscular. A correlação entre hipertrofia e força não costuma passar de ‘moderada’.

Às vezes até vemos alguma correlação forte, mas não costuma ser mais frequente do que as correlações fracas. 

Reggiani & Schiaffino (2020) mostram uma figura intrigante, em uma revisão bem provocativa. Confronte essa figura abaixo com o que escreverei sobre ela na sequência.


correlação entre hipertrofia e força

Essa figura mostra a relação entre força (medida na máquina extensora de joelhos) e área de secção transversa do quadríceps em uma população heterogênea (n=283) após ~24 semanas de treinamento de força. Lembrando que área de secção transversa é uma estimativa da hipertrofia (depois veja esse meu post para entender por que é uma estimativa).

Na figura você vê uma correlação linear (linha contínua) entre hipertrofia e força com ‘r = 0,157’. Se calcularmos o coeficiente de determinação disso, somos obrigados a interpretar que a hipertrofia muscular explicaria apenas ~2,5% da força.

E se você reparar bem a figura, perceberá ainda o seguinte:

>> Os pontos que pintei de amarelo mostram algumas pessoas que ganharam ‘área de secção transversa’, mas perderam ou não tiveram modificação da força.

>> E pintei em azul algumas das pessoas que ganharam mais de 30% de força, apesar de ter ocorrido diminuição da área de secção transversa.

Intrigante, não!?


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A coisa é tão emblemática que há autores (veja este e mais este artigo; de Loenneke et al., 2019) que sustentam a seguinte tese:

Não há evidência de que a hipertrofia muscular induzida pelo exercício contribui para o aumento da força muscular”.

Esses autores usam os seguintes resultados científicos para sustentar essa tese:

1)    A correlação entre hipertrofia e força tem se mostrado fraca em alguns estudos (r < 0,2);

2)    Há pessoas que ganham força sem qualquer ganho de hipertrofia;

3)    Há pessoas que ganham hipertrofia sem ganhar força (isso é raro, mas acontece);

4)    A mesma área ou volume muscular de algumas pessoas (ex: fisiculturistas) pode gerar menos força que de outras (ex: atletas do LPO);

5)    Há modelos animais com alteração genética (ex: miostatina anulada) em que os animais podem ganhar massa muscular sem ganhar força. 

Reggiani & Schiaffino (2020) explicam que esse ceticismo não é novo. Na década de 1950 já havia esse questionamento. E, nas décadas seguintes, T. Moritani e H. DeVries, que são dois gigantes da fisiologia, mostraram que grande parte da produção de força estava associada a fatores neurais. Isso certamente deu ainda mais força aos céticos.

Bom, são coisas provocativas, sem dúvida! Mas é muito provável que essa tese de Loenneke et al. (2019) esteja errada. E digo isso baseado em fatos da realidade, e não em emoções (reacionárias) que habitualmente surgem quando falamos essas coisas em aula. Gera um frisson danado.

 nutricionistas com experiência em diferentes especialidades

Para você entender melhor, vou começar com os contra-argumentos de Taber et al (2019), que, aliás, foram feitos em resposta aos artigos de Loenneke et al. (2019).

Taber et al (2019) destacam o seguinte:

1)    Correlação fraca não significa ausência de correlação, e na maioria dos estudos a correlação é pelo menos moderada;

2)    O fato de pessoas ganharem força sem qualquer ganho de hipertrofia poderia ser explicado pela falta de capacidade da técnica em “enxergar” a hipertrofia. De fato, medir força é mais fácil do que medir hipertrofia;

3)    O fato de uma mesma área ou volume muscular de fisiculturistas gerar aparentemente menos força que de levantadores de peso olímpico poderia ser explicado por maior hipertrofia sarcoplasmática (menos densidade miofibrilar; depois leia meu post: Você sabe classificar a hipertrofia muscular? para entender tudo sobre isso), ou devido à conversão de fibras. Realmente é bem conhecido que um dado percentual de fibras tipo IIX tende a se converter em fibras IIA quando fazemos treinos típicos de hipertrofia.

A interpretação de Taber et al (2019) é, portanto, que a hipertrofia é contributiva para a força. Ou seja, ela não explica tudo sozinha, mas ajuda a explicar.

Sobre isso, sempre me lembro da associação entre ‘sal de cozinha’ e ‘hipertensão arterial’. Pois também dá uma correlação fraca. O sal não costuma explicar mais que 10% do aumento da pressão arterial. Apesar disso, o sal de cozinha é um reconhecido causador da hipertensão, a qual é uma doença multifatorial (explicada por muitas coisas).

Mas depois de ‘disse-me-disse’, o que precisamos mesmo é de fatos da realidade mais contundentes. E é aí que entra a inteligência científica.  

Stefano Schiaffino (que é esse mesmo do artigo ‘Reggiani & Schiaffino, 2020’) é outro gigante da fisiologia. Sua biografia está associada à descoberta das fibras tipo IIx. E ele e seu colega Reggiani oferecem elementos mais objetivos. Já falarei sobre isso.

Mas, antes, vale enfatizar que a maior dificuldade é explicar por que algumas pessoas e animais ganham hipertrofia sem ganhar força.

Pois bem, perceba que aqui estamos falando de coisas que acontecem in vivo. Ou seja, em seres inteiros e complexos, expostos e influenciados por múltiplos fatores.

Então, para resolver essa encrenca, Reggiani & Schiaffino (2020) defendem que precisamos focar num modelo experimental ideal de investigação. E é aí que entra a experiência e inteligência.

Como a produção de força in vivo envolve muitos fatores (e falarei deles mais no final), a melhor forma seria ver o efeito da hipertrofia em células musculares isoladas. Por isso eu te convido para depois ler esse meu post aqui, onde eu mostro a importância das evidências diretas.

Muito bem! A proposta dos cientistas é focar em animais treinados in vivo, e que depois tiveram suas células musculares analisadas in ex-vivo (em células isoladas).

Isso porque células isoladas não sofrem influências neural, hormonal, de braços de força em diferentes momentos angulares ou da matriz extracelular.


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E, nesse caso, Reggiani & Schiaffino (2020) relatam que os estudos têm mostrado que a hipertrofia celular induzida pelo exercício é acompanhada por aumento proporcional da força. Ou seja, à medida que a célula aumenta, a força também aumenta. 

Eu não conheço esses estudos porque habitualmente eu não concentro minhas leituras em células, mas se Schiaffino está dizendo, certamente o faz com propriedade. Mas escrevendo isso eu me lembrei de um estudo espetacular (esse aqui), publicado em 2002, numa revista excepcional (Journal of Physiology).

É um estudo do Prof. Dr.  Antônio José Natali, que foi meu orientador em 3 iniciações científicas, no Mestrado e, depois, co-orientador do meu Doutorado. O Prof Natali fez o Doutorado dele na Inglaterra. Ele não trabalhou com células musculares esqueléticas, mas sim com células musculares cardíacas. Mas vou te contar por que esse estudo dele é tão espetacular. 

Ele verificou que tanto o coração quanto células musculares cardíacas hipertrofiaram apenas em animais (ratas) que fizeram exercício de corrida. Quando ele mediu as propriedades contráteis das células na condição ‘sem carga externa’ (sem resistência), ele não encontrou diferenças contráteis entre animais ‘exercitados’ vs. ‘não exercitados’. Entretanto...

Mas quando ele prendeu as células num artefato de fibra de carbono que resistia a contração (gerava resistência), então ele viu que as células musculares cardíacas das ratinhas treinadas, que eram células mais hipertrofiadas, geraram quase o dobro (~87,5%) de força comparado ao grupo não treinado. Essas células eram da região do endocárdio. Mas não acabou!

Ele fez uma outra análise bem interessante. Ele dividiu a ‘força’ pela ‘área de secção transversa’ das células, e com isso percebeu que as células cardíacas das ratinhas treinadas eram ~26% mais fortes. Sabe o que isso significa?

Significa que uma hipertrofia igual (mesma área) gera mais força em animais treinados. Portanto, ele mostrou que a qualidade muscular mudou.

E se a gente subtrair 87,5% (efeito da hipertrofia + adaptações intrínsecas) por 26% (adaptações apenas intrínsecas), ficamos com ~ 61,5%. Na minha interpretação esse seria o percentual aproximado de aumento da força que poderia ser atribuído à hipertrofia muscular.

Eu fiz cálculos relativamente grosseiros, baseados nas figuras do artigo. Mas a favor do meu o argumento está o seguinte: As células da região do epicárdio aumentaram ~26% de força, mas sem hipertrofia significativa. E esse valor coincide com o percentual de força que eu atribuí às alterações intrínsecas (não associadas à hipertrofia), pois foi este o resutado da força dividida pela área de secção transversa.

Juntando esses resultados, três coisas ficam relativamente claras:

1)    O aumento da hipertrofia induzida pelo treinamento explica sim parte da força. Possivelmente a maior parte;

2)    Adaptações intrínsecas das células induzidas pelo treinamento também explicam parte da força. Há melhora da qualidade muscular;

3)    Se não fizer a medida correta, pode-se não enxergar tais efeitos. Que é umas das questões que Taber et al (2019) destacaram.

Muito legal, né!?


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Então isso permite perceber que a hipertrofia é sim contributiva para a força, mas que realmente não explica tudo.

Essas adaptações intrínsecas que falei podem estar relacionadas a coisas que foram posteriormente mostradas, em parte pelo próprio laboratório do Prof Natali, que são:

1)    Aumento da quantidade e velocidade de liberação e recaptação do cálcio;

2)    Aumento da sensibilidade miofibrilar ao cálcio.

Essas adaptações, por sua vez, são decorrentes do aumento do volume do retículo sarcoplasmático, aumento da expressão e da atividade de proteínas relacionadas a abertura de canais de cálcio e a recaptação de cálcio, e modificações da ATPase.

Para além dessas alterações intrínsecas à célula muscular, também temos que lembrar outras coisas do mundo in vivo.

Em ratinhas ou pessoas vivas há várias outras coisas que interferem na força, as quais não tem relação com a hipertrofia, como:

- Fatores neurais (corticais, subcorticais e de integração);

- Fatores mecânicos (ex: braços de força e resistência);

- Aspectos dimensionais e estruturais dos tendões e da matriz extracelular;

- Ângulo de penação; 

- Tipos predominantes de fibras; 

- Isoformas de ATPase miosínica

E o exemplo do artigo do Prof Natali refere-se a células cardíacas. Essas células se adaptam de forma parecida às células esqueléticas quando enfrentam desafios de carga, mas não são células iguais. Há várias diferenças. De qualquer forma bate com o relato do Prof Schiaffino.

Mas, para concluir, você poderia me fazer a pergunta que um estudante me fez quando eu explicava coisas parecidas com essas em aula. Ele perguntou o seguinte:

Mas se a hipertrofia não explica força, então ela serve para quê?

É uma ótima pergunta, né!? Embora eu precise antes fazer uma leve (mas importante) retificação da pergunta dele: A hipertrofia explica sim parte da força. Você não deve sair dessa leitura interpretando que ela não explica nada. Não é isso!

Mas podemos fazer uma adaptação dessa pergunta dele para gerar uma segunda questão, que seria:

Se a hipertrofia “não” explica força, por que ela acontece quando fazemos treinamento de força?

A resposta da primeira pergunta eu já respondi nesse post aqui. A a resposta da segunda pergunta, ficará para um próximo post (certamente em breve).

Então é isso amigo ou amiga... Obrigado por ler até aqui. E se você gostou, compartilhe com colegas e amigos/as ou em suas redes sociais. E quem quiser receber as novas postagens deste Blog, basta clicar aqui para se inscrever na Newsletter.

E, como habitual, em tempos de escritas por inteligência artificial (ex: chatGPT e Gemini), vale dizer que essa postagem não usa isso... é feita exclusivamente das minhas leituras e interpretações ao longo da minha trajetória.

Lunz, W. Hipertrofia NÃO te deixa forte? Ano: 2024. Link: https://www.wellingtonlunz.com.br/post/hipertrofia-nao-te-deixa-forte [Acessado em __.__.____].

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professor wellington lunz

Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Tem se dedicado em transmitir conhecimentos baseados em evidências em diferentes áreas do conhecimento (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site ou e-mail: welunz@gmail.com.br  





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