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Qual a relação entre 'Hipertrofia Heterogênea' e o ‘Principle of Neuromechanical Matching’?

Atualizado: 8 de nov. de 2024


hipertrofia heterogênea e neuromechanical matching

Prof. Dr. Wellington Lunz - Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

Hoje farei a conexão entre dois conhecimentos muito legais. Mas para continuar essa leitura, saiba que é preciso ter espírito elevado. É preciso ser alguém que saiba saborear o conhecimento.

Dias atrás, lá no meu canal do YouTube, um hater me perguntou debochadamente:

Como transformar em ‘preço’ um dado conhecimento (que ele chamou de teoria) que eu transmito lá

Salvo engano o vídeo era sobre ‘curva de força’. E não é uma teoria. E tem aplicação direta na prescrição do treinamento.

Mas, o hater, com neurônios mal calibrados e um certo grau de miopia cognitiva, não conseguiu perceber. Só consegue enxergar $$$ para onde olha.

Creio que ao abraçar uma pessoa amada, ao tomar um bom vinho, ao ouvir uma boa música, ao apreciar uma obra de arte ou uma boa conversa com amigas/os, ele deve ficar pensando o quanto de $$$ deveria cobrar por isso.

Há algum tempo, investido de um ideal de contribuição social, o qual me levou a um desejo de sair dos muros da Universidade para divulgar conhecimentos, resolvi frequentar grupos da área de hipertrofia e treinamento de força no Facebook... e FOI A PIOR DECISÃO DA MINHA VIDA!!!

Eu deveria ter aprendido com Nietzsche: “A sabedoria impõe limites até para o conhecimento”. De forma mais direta, o conselho é: ‘Não é sábio querer saber tudo’. Ninguém está completamente pronto para toda verdade e baixeza do mundo.

Um amigo, que me acompanha aqui, e que conheci nesses grupos (agradeço por essa quase única herança boa), disse-me: “Professor, o que você faz lá [no facebook] é jogar pérolas aos porcos”. Uma frase forte, que, desde então, me impôs reflexões diárias.

Mas por causa de gente assim, com espírito desmilinguido, sem capacidade de apreciar o conhecimento, que eu desisti do YouTube (o canal ainda existe, mas já não publico... e retirei a maioria dos vídeos), do Facebook, Instagram e Twitter.

Mas toda essa introdução (quase um desabafo) é para dizer que falarei hoje de um tópico praticamente desconhecido por quem faz ou já fez graduação nas áreas das ciências da motricidade. Trata-se de algo chamado de ‘The Principle of Neuromechanical Matching’.

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Perguntei a um amigo, professor que trabalha há muitos anos numa Universidade nos EUA, qual seria a tradução mais razoável para ‘Principle of Neuromechanical Matching’. Após uma troca de ideias, disse-me que ‘Princípio da Compatibilidade Neuromecânica’ seria uma tradução razoável (fica a sugestão).

Mas vou usar a expressão ‘Neuromechanical Matching’ nesse texto, porque é a mais comum.

E por que falar desse assunto? Respondo:

É para eu poder conectar isso com ‘hipertrofia muscular’, que é meu interesse principal aqui. Os que me acompanham aqui há mais tempo, sabem que estou escrevendo um livro especificamente sobre hipertrofia muscular.

E eu suspeito que esse princípio (Neuromechanical Matching) possa ajudar a explicar um fenômeno chamado de hipertrofia heterogênea ou hipertrofia não homogênea. Já ouviu falar? Certamente já, embora, talvez, de outra forma.

Refere-se ao fato de que quando treinamos um dado músculo (ex: bíceps braquial) o ganho percentual e absoluto de massa muscular nesse músculo não é igual em todas as suas regiões anatômicas.

Por exemplo, se dividirmos o bíceps braquial em três regiões: Distal (perto do cotovelo), medial (centro) e proximal (perto do ombro), veremos que o ganho de massa muscular após um treinamento de hipertrofia não será igual nas 3 regiões.

E, claro, isso nos leva a questionar: ‘Por que não é igual?

E a resposta importa, pois tem repercussão na prescrição do treinamento. Há pessoas que podem desejar ter mais hipertrofia nas regiões proximal, ou medial, ou distal, ou nas regiões inferior, superior, lateral, interna.

E essas pessoas são as mais habituais. Quem trabalha com treinamento para hipertrofia há mais de um dia já deve ter recebido um pedido para hipertrofiar ‘mais aqui’ ou ‘mais alí’ um dado músculo.

Então precisamos compreender essas coisas para sermos profissionais mais emancipados. Mas não se preocupe, farei só um resumo. Não está grande (creio que 5 min de leitura). É provável que no livro deixarei bem mais amplo. E vamos começar bem do começo, para que as coisas possam ficar bem conectadas.

Em 1957, o neurofisiologista Elwood Henneman publicou um artigo (na Science) de basicamente uma página, mostrando o seguinte:

Neurônios motores menores são excitados com estímulos elétricos (voltagem) de menor intensidade quando comparados a neurônios maiores. E quando se aumenta a intensidade dos estímulos elétricos, neurônios progressivamente maiores vão sendo recrutados, juntamente com os menores

Só lembrando que ‘unidade motora’ refere-se ao conjunto de células musculares inervadas pelo mesmo neurônio motor. Neurônios motores podem inervar de algumas até milhares de células.

Mas essa descoberta ficou conhecida como 'princípio de Henneman', ou 'princípio do tamanho das unidades motoras'. O próprio Henneman e vários outros cientistas reproduziram isso depois, com razoável concordância.

 nutricionistas com experiência em diferentes especialidades

Mas, ao longo da história científica, coisas estranhas foram aparecendo. Exemplo:

>> O princípio de Henneman não ocorre 100% das vezes, nem mesmo em modelos estáveis (ex: isometria). Na prática aceita-se reprodutibilidade >80%. Mas em modelos instáveis (dinâmicos) a reprodutibilidade pode cair para ~33%.

>> A correlação entre 'força' e o 'limiar de recrutamento' não é perfeita, ficando na casa de 0,8 (perfeito seria 1).

>> Em alguns músculos, como diafragma, paraesternais intercostais e triceps sural, já foi visto ordem de recrutamento de unidades motoras bastante alterada em velocidades altas.

>> Já vi um estudo mostrando que o encurtamento do gastrocnêmio atrasou e "saltou" o recrutamento de algumas unidades motoras, quando comparado ao gastrocnêmio alongado. Isso não deveria acontecer se obedecesse ao princípio de Henneman.

Em virtude de tudo isso, somados ao conceito de ‘grupo de tarefas’ (que deixarei para explicar no livro), e principalmente de evidências muiiito intrigantes observadas em músculos respiratórios (e isso eu contarei abaixo), um outro princípio tem sido proposto: ‘The Principle of Neuromechanical Matching.

O Neuromechanical Matching propõe que o recrutamento de unidades motoras está condicionado a EFICÁCIA ou EFICIÊNCIA mecânica da unidade motora. A prioridade de recrutamento de unidades motoras pelo sistema nervoso seria, portanto, recrutar as unidades motoras com maior eficiência para cada tarefa motora. Podendo, inclusive, desobedecer ao 'princípio de Henneman'.

E veja que questão intrigante:

“Que dados biológicos nosso sistema nervoso central usa para decidir quais unidades motoras deve recrutar, e em qual ordem recrutar?” Já pensou nisso?

Convenhamos que não dá para ser algo totalmente pré-programado (genético), já que vamos aprendendo novas tarefas motoras ao longo da vida.

Uma resposta possível é exatamente essa dada pela teoria do Neuromechanical Matching. Ou seja, as unidades motoras seriam recrutadas conforme sua eficácia mecânica.

E isso ajudaria tanto a explicar a hipertrofia muscular heterogênea, quanto às diferenças hipertróficas que ocorrem quando variamos (ainda que pouco) o movimento e a forma de execução (ex: treinar alongado vs. encurtado).

O Neuromechanical Matching não é uma ideia nova, mas pesquisadores (Hudson et al., 2017; Hudson et al., 2019) que estudam músculos respiratórios reivindicam ter produzido evidências diretas nas últimas duas décadas.

Não me parece um princípio que substitui totalmente o princípio de Henneman, mas que o complementa e relativiza seu absolutismo, tornando o princípio de Henneman condicional. Ou seja, nem sempre seria obedecido.

Mas, antes, você deve estar me perguntando o que seria exatamente ‘eficiência ou eficácia mecânica’? Vamos entender.

Há duas interpretações. Uma é absolutamente mecânica e a outra é neuromecânica.

A interpretação ‘mecânica’ seria basicamente considerar a ‘vantagem mecânica’. Ou seja, se a unidade motora tiver maior ‘vantagem mecânica’, agirá de forma mais eficiente, pois o gasto energético será menor para realizar uma determinada tarefa.

A interpretação ‘neuromecânica’ considera o quanto de drive neural é necessário para produzir uma dada força. Se eu precisar de um drive neural menor para fazer uma dada tarefa, é porque está sendo mais eficiente.

Muito resumidamente, 'drive neural' tem a ver com a intensidade de estímulo elétrico gerada nos centros nervosos do controle motor. Pode ser medido com técnicas específicas.

Essa interpretação neuromecânica me parece mais razoável, pois, de fato, além da ‘vantagem mecânica’ há outras coisas que repercutem na eficiência. Por exemplo, a relação 'força-comprimento muscular' e o ‘alinhamento da célula muscular’ (ex: ângulo de penação). Nesse sentido, considerar apenas a ‘vantagem mecânica’ seria limitado.

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Os músculos respiratórios agem sobre uma "caixa (torácica) tridimensional quase rígida". E, por isso, o que os cientistas têm feito para determinar a ‘eficácia mecânica’ é considerar exatamente a relação 'força-comprimento' e o ‘alinhamento da célula’ (decomposição da força).

Tanto a relação 'força-comprimento' quanto a relação ‘força-alinhamento’ são coisas bem conhecidas. Há, inclusive, equações estabelecidas na biomecânica e biofísica. Seguem 2 exemplos para você entender melhor a ideia:

Kawakami et al. (1998) e Hali et al. (2020) mostraram que o músculo gastrocnêmio produz muito menos força quando está encurtado. A perda de força foi de aproximadamente 60%. E como as alterações da ativação neural (entenda como drive neural) foram mínimas entre gastrocnêmio alongado vs. encurtado, a explicação dessa perda de força só pode ser miotendínea.

Ou seja, quando o músculo gastrocnêmio está encurtado, as células (e seus sarcômeros) ficam mais encurtadas, e o ângulo de penação aumenta. E essas duas alterações reconhecidamente impactam na produção de força, e explicam a perda de força do músculo encurtado.  

Esses dois estudos (mas há outros) mostram, portanto, que quando o músculo está mais encurtado ele tem menor eficiência ou eficácia mecânica. Por óbvio, tem mais eficiência e eficácia mecânica quando trabalha alongado.

Agora vou rapidamente mostrar para vocês porque alguns cientistas que trabalham com músculos respiratórios afirmam ter produzido evidências diretas a favor da teoria do Neuromechanical Matching.

Antes disso, músculos respiratórios tem sido um modelo útil para fundamentar o Neuromechanical Matching por causa de algumas propriedades interessantes:

>> São músculos esqueléticos que ao mesmo tempo estão sob controle voluntário (cortical) e involuntário (subcortical). E isso permite comparar ambas as formas de recrutamento.

>> Dupla tarefa: vários agem tanto na 'respiração' quanto 'flexão/rotação' do tronco.

>> Modelo estável (pouco movimento).

Hudson et al. (2017) registraram mais de 160 unidades motoras do músculo intercostal parasternal, no 1°, 2° e 4° espaço intercostal, durante duas tarefas: 'respiração em repouso' e 'rotação lateral do tronco'. E os autores encontraram que:

>> Parte das unidades motoras participou de apenas uma tarefa, e parte participou de ambas. E o número de unidades motoras foi diferente em ambas as tarefas.

>> E, o mais intrigante, a ordem das unidades motoras não foi a mesma nas duas tarefas:

1º) Na RESPIRAÇÃO a ordem das unidades motoras foi: 1°, 2° e 4° inter-espaços.

2º) Na ROTAÇÃO as unidades motoras do 2° e 4° inter-espaços foram recrutadas quase juntas, seguida pelas do 1°.

Como esse músculo é inervado pelos mesmos motoneurônios, isso coloca em 'xeque' o princípio de Henneman, pois:

"Se duas unidades motoras participam de duas tarefas distintas, e uma dada unidade motora é recrutada primeiro numa tarefa, então, para obedecer ao princípio de Henneman, ela também deveria ser recrutada primeiro na segunda tarefa".

Segundo os autores, o que explicaria essa dissonância com o princípio de Henneman é que essas unidades motoras estariam obedecendo a EFICÁCIA mecânica. As unidades motoras teriam sido recrutadas conforme a melhor relação ‘força-cumprimento’ e ‘alinhamento celular’ de cada tarefa.

Esses resultados realmente colocam em xeque o absolutismo do princípio de Henneman.

Mas não creio que dê para bater o martelo de que seja prova irrefutável a favor do princípio do Neuromechanical Matching. Isso porque a medida de eficácia mecânica foi feita de forma indireta (eles consideraram o grau de encurtamento como medida da eficácia).

Mas, se considerarmos que o Neuromechanical Matching existe, como o sistema nervoso central conseguiria saber quais unidades motoras apresentam maior eficácia a cada momento angular do movimento?

Os autores hipotetizam algumas vias, que podem ser resultados de diferentes impulsos descendentes (eferentes) e ascendentes (aferentes). Mas deixarei os detalhes dessa discussão para meu livro. Reconheço que aqui o ‘vinho pode ficar mais ácido’.

 nutricionistas com experiência em diferentes especialidades

Mas, voltando à ideia principal, qual a importância do Neuromechanical Matching para as nossas práticas? ou, pelo menos, para a reflexão de nossas práticas?

Como já antecipei, se essa teoria estiver correta, ela nos ajuda a explicar a hipertrofia muscular heterogênea. Apesar do hábito de dizermos que o "músculo X ou Y" trabalha ou treina, na prática não é o músculo inteiro que trabalha ou treina, mas sim subgrupos de unidades motoras.

E ampliando um pouco mais a reflexão... Se em cada variação de exercício tivermos diferentes unidades motoras trabalhando, ou, se forem as mesmas, elas estariam trabalhando com diferentes ordens e magnitudes de esforço, seria razoável HIPOTETIZAR o seguinte:

"Quem faz muitas variações de exercícios para o mesmo músculo poderia se beneficiar de fazer mais SÉRIES do que aquelas pessoas que fazem apenas um ou dois exercícios".

Por exemplo, a gente sabe tanto pela prática quanto pela ciência, que os supinos reto, declinado e inclinado não são exatamente a mesma coisa, apesar de atingirem os mesmos músculos.

Mas cada variação dessa atinge subgrupos de unidades motoras ou diferentes ou em diferentes magnitudes. Por isso são variações que valem a pena. Fazer 3 séries de supino reto não deve ser a mesma coisa que fazer 1 série de cada (reto, declinado e inclinado).

Aproveitando, caso ainda não saiba, tenho um e-book (doei ao Instituto Afficere; preço simbólico) sobre ‘número ideal de séries’. No e-book eu considerei tudo que tínhamos de estudos científicos.

Então ainda tenho resposta sobre essa hipótese que estou trazendo exatamente agora. Mas julgo merecer investigação.  

Então é isso amiga e amigo... E se você gostou, compartilhe com colegas e amigos/as ou em suas redes sociais. E quem quiser receber as novas postagens deste Blog, basta clicar aqui para se inscrever na Newsletter.

E, como habitual, em tempos de escritas por inteligência artificial (ex: chatGPT e Gemini), vale dizer que essa postagem não usa isso... é feita exclusivamente das minhas leituras e interpretações ao longo da minha trajetória. E se você quiser citar este post, pode ser mais ou menos assim:

Lunz, W. Qual a relação entre 'Hipertrofia Heterogênea' e o ‘Principle of Neuromechanical Matching’? Ano: 2024. Link: https://www.wellingtonlunz.com.br/post/hipertrofia-heterogenea-e-neuromechanical-matching [Acessado em __.__.____].

 
professor wellington lunz

Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Tem se dedicado em transmitir conhecimentos baseados em evidências em diferentes áreas do conhecimento (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site ou e-mail: welunz@gmail.com.br  





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