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Hiperplasia em músculo esquelético humano: isso REALMENTE existe?

Atualizado: 8 de nov. de 2024

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Prof. Dr. Wellington Lunz - Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

Um estudo recém-publicado (Maeo et al., 2024) deve reaquecer a discussão sobre hiperplasia em músculo esquelético humano. Mas já antecipo que, a meu ver, esse estudo não consegue elevar nosso conhecimento sobre o tópico para além dos resultados que conhecemos de vários estudos da década de 1980. Falarei de tudo e todos! Aperte o botão coragem e siga firme aí pra baixo.

Hiperplasia (hyper = excesso; plásis = formação) se refere ao aumento do número de células. É diferente de hipertrofia, a qual tem a ver com aumento do tamanho ou volume. Alerto, entretanto, que o conceito de hipertrofia é bem mais complicado do que parece. Depois, leia meu post ‘Hipertrofia muscular: só sabe o conceito quem NÃO pensa demais’ para entender a razão.

Parece que foi o patologista alemão Rudolf Virchow, em 1858, que observou pela primeira vez que o crescimento anormal de linfonodos era explicado pelo aumento do número de células, e não pelo aumento do tamanho celular (Roberts et al., 2023). Com o passar dos anos, a ciência diferenciou as células em mitóticas e pós-mitóticas.

As mitóticas podem se dividir (mitose), formando células-filhas. As pós-mitóticas são aquelas que saíram do chamado ciclo celular, e não se dividem mais. São, às vezes, chamadas de células diferenciadas ou maduras (ex: células musculares cardíaca e esquelética de adultos).

Em 1972, Hall-Crags, com auxílio de microscopia eletrônica, interpretou que a sobrecarga muscular esquelética de ratos adultos não apenas induzia hipertrofia, mas também divisão longitudinal das fibras. Ou seja, hiperplasia.

Isso, claro, fere a premissa da indivisibilidade das células pós-mitóticas. Embora os resultados do estudo sejam bem interessantes (mostrarei mais adiante), é uma afirmação que ainda gera debate acalorado.

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Mas há quem também interprete a hiperplasia muscular como resultado da proliferação e diferenciação de células satélites. Neste caso, o debate é bem mais amigável. Pouca gente duvida. Em animais, há bastante evidência de hiperplasia no músculo esquelético. Hiperplasia derivada de células progenitoras no tecido adiposo e músculo cardíaco também estão bem descritas.

Para os menos familiarizados, células satélites são um tipo de célula-tronco, localizadas especificamente entre a membrana plasmática e a lâmina basal das fibras musculares. Ficam bem na extremidade celular, e daí vem o termo 'satélite'. Essas células podem se proliferar (mitose), dando origem a células musculares imaturas, chamadas de mioblastos. Esses mioblastos podem:

(1) fundir-se a uma fibra muscular existente, doando seu núcleo. Nesse caso, poderiam, no máximo, contribuir para hipertrofia (e tudo indica que contribui).

(2) podem se fundir umas às outras para formar uma nova fibra.

(3) podem sofrer diferenciação imediata, sem divisão prévia (Foschini et al., 2004).

Os últimos dois casos poderiam contribuir para hiperplasia.

E o que livros clássicos da área falam sobre hiperplasia em músculo esquelético humano? Claro que não me prenderei a tais livros, pois você não precisaria de mim para interpretá-los, mas, de qualquer forma, dei uma olhadela para confirmar o que dizem:

Fleck e Kraemer (2017) reconhecem que há muita divergência. E mesmo sem apresentar evidências sobre 'magnitudes', eles dizem que, caso a hiperplasia ocorra, ela representaria algo em torno de 3 a 5% do aumento muscular.

Não sei de onde eles tiraram esses 3 a 5%, mas suspeito que estejam estimando a partir da concentração de células-satélites em músculo esquelético humano, que, segundo MacDougall e Sale (2014), representaria entre 2 e 5%. Mas quantas filhas uma célula satélite pode gerar? Há limite? Até onde sei, ninguém sabe precisamente a resposta. Caso eles também não saibam, penso que não seria prudente indicar esses 3 a 5%. 

Powers e Howley (2017) dizem que as evidências 'atuais' indicam que 90–95% da massa muscular decorrente do treinamento de força é promovida por hipertrofia, e não por hiperplasia. Cabe-nos, portanto, interpretar que no máximo 5 a 10% poderiam ser explicadas por hiperplasia (isso se a gente excluir tecido conjuntivo da história). 

O intrigante é que eles citam duas referências para sustentar essa estimativa. Uma delas (Craig, 2001) em nenhum momento fala em percentual de qualquer coisa. A outra, de 1974, sequer achei o abstract. E o título fala de ‘excreção hormonal’. Nada sugestivo. E não são 'evidências atuais', como disseram.

McArdle et al. (2016), por sua vez, acreditam existir hiperplasia em várias espécies, tanto originada de células-satélite quanto por divisão longitudinal (ou germinação lateral), mas confessam que seria arriscado transpor tais resultados para humanos. Eles preferiram não fazer estimativas de magnitude de efeito, apenas sinalizam que hiperplasia não explicaria muito do ganho de massa muscular.   

Em humanos, não é fácil investigar o destino das células satélites e, principalmente, a eventual ocorrência de divisão longitudinal de células durante um treinamento físico. Veja algumas razões:

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O Prof Wellington Lunz apoia e recomenda o Instituto Afficere. Agende sua consulta nutricional.

1)       Exige técnica invasiva. É preciso retirar um pedaço de músculo para investigar.

2)     Músculos humanos costumam ter centenas de milhares de fibras. Contar tudo, in vivo, é, por ora, impossível. O que fazem é estimar o total de células a partir de um pequeno pedaço. 

3)     Há apenas em torno de 2 a 5% de células satélites. Mas, como elas podem ter diferentes destinos, inclusive doar o núcleo para uma célula madura, não é fácil saber quantas irão se diferenciar diretamente, e quantas gerarão filhas (e quantas filhas?).

4)     Não se trata apenas de seguir um curso temporal. A hiperplasia não parece ocorrer “do nada”. Há a necessidade de algum evento estressor (ex: lesões, estiramento mantido, tensão mecânica).

O estresse tensional, típico do treinamento contrarresistência, é um estressor que poderia induzir hiperplasia, em parte por causar microlesões, como mostrou Hall-Crags (1972)

Mas, em humanos, algo aparentemente claro é que a eventual hiperplasia decorrente do treinamento contrarresistência não ocorre em poucos dias ou semanas, porque estudos curtos encontram nada de hiperplasia. Deixe-me primeiro falar um pouco sobre estudos com animais, e depois com humanos. 

Há muitos estudos envolvendo aves, ratos e gatos. Embora os estudos mais clássicos sejam de Hall-Crags (1972), com ratos, e Sola et al. (1973), com aves, creio que o laboratório que mais produziu sobre o assunto foi do Dr. William J. Gonyea. Há trabalhos com várias espécies, e incluindo técnicas de estiramento e treinamento de força. 

E é exatamente do lab do Dr. Gonyea o estudo que mais me impressionou quando o li, há mais de 20 anos, durante minha graduação.

Trata-se do estudo de Antonio e Gonyea, publicado em 1993. Foi realizado com aves (codorna). A principal diferença em relação aos estudos anteriores foi a inclusão de sobrecarga progressiva ao método de estiramento muscular que já faziam. Não é qualquer estiramento. É algo agressivo e de longa duração.

Em 28 dias de estiramento da asa das aves, eles viram um aumento médio de 319% na massa muscular (hipertrofia) e 82% no número de fibras (hiperplasia). São números impressionantes, que beiram o inacreditável. Os maiores percentuais vistos até aquela data.

Considerando as análises temporais do estudo e a magnitude dos resultados, as evidências são convincentes de que as fibras submetidas ao estiramento aumentavam de tamanho no início e, em seguida, dividiam-se (hiperplasia). Essa 'divisão celular' explicaria o não aumento da média do tamanho das fibras concomitante ao aumento do número de fibras e da massa muscular.

Mas, prudentemente, os autores reconheceram a possibilidade de que fibras grandes poderiam estar sofrendo necrose e, assim, sendo removidas e substituídas por células satélites que, claro, são menores no início. Repare que mesmo com essa magnitude toda de efeito, os autores reconhecem o risco de o aumento das fibras não ter ocorrido por divisão de células maduras, mas por proliferação de células satélites.

Curiosidade: Eles chegaram a encontrar uma fibra com área de 26.000 micrômetros quadrados, sendo 22 vezes maior que a média do grupo controle. Li outra publicação em que José Antonio (um dos autores) afirmava ser a fibra muscular com maior área já publicada na literatura científica.

Essas fibras grandes, principalmente >3.000 micrômetros quadrados, apresentavam fissuras, sugerindo estarem em fase de divisão, como aconteceu no estudo de Hall-Crags (1972). Apesar da discussão prudente no artigo, sei, por outras leituras, que José Antonio é um contumaz defensor de que a hiperplasia também ocorre por divisão longitudinal.

Essa história de hiperplasia por divisão longitudinal é mais difícil de defender. Não por soar impossível, mas porque os estudos ainda são contestáveis. O estudo de Hall-Crags (1972), embora antigo, me parece um dos mais convincentes. Deixe-me explicar melhor:

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Em 1967, Alfred L Goldberg havia criado uma técnica que induzia rápida hipertrofia compensatória em ratos. Ele cortava o tendão (tenotomia) do gastrocnêmio, e assim os músculos sóleo e plantar hipertrofiaram muito e em poucos dias. Essa técnica, também chamada de ablação sinergista, foi muito usada nas décadas seguintes.

Foi exatamente a técnica que Hall-Crags (1972) usou, aliada à microscopia eletrônica (que é excepcional), para sugerir hiperplasia por divisão longitudinal. A favor dessa tese está o fato que várias células pequenas coexistiam com células hipertrofiadas, e, principalmente, várias células apresentavam fissuras delimitadas por sarcolema e membrana basal (bem sugestivo de novas células sendo formadas).

Depois vieram os estudos de um grupo japonês na década de 1990 (um deles é esse: Tamaki et al., 1997) usando uma técnica, criada por eles, em que ratos faziam levantamento de peso. Os resultados são bem consistentes, pois, entre outras coisas, usaram um anticorpo chamado anti-BrdU, o qual identifica proliferação celular. E eles viram clara proliferação celular. 

Mas os autores reconhecem que a maioria dessa proliferação estaria associada à ativação de células satélites. Esse estudo dá bastante consistência à tese de hiperplasia induzida por mitose aumentada de células satélites, mas isso é diferente de hiperplasia por divisão de células pós-mitóticas.

Hoje é praticamente incontestável que hiperplasia ocorra em músculo esquelético de várias espécies animais (Murach et al., 2019). Mas, depois desses insights com animais, podemos formular duas questões principais:

1) Pode ocorrer hiperplasia de células musculares diferenciadas (pós-mitóticas) de humanos? (Em relação às células satélites, que são mitóticas, não parece haver muita discordância sobre suas contribuições para hiperplasia).

2) Independentemente de a hiperplasia vir de células mitóticas ou pós-mitóticas, qual seria o potencial de contribuir para o volume muscular (hipertrofia)? 

Creio que os primeiros estudos robustos com humanos sobre a relação entre treinamento contrarresistência e hiperplasia surgiram na década de 1980. Aliás, vários estudos.

Um que me lembro bem e quero destacar é o de MacDougall et al. (1982). Dois dos autores, J. Duncan MacDougall e G. Digby Sale, hoje são professores eméritos da McMaster University (Canadá). Se tornaram referências icônicas das ciências do treinamento de força.

Esse trabalho deles não é qualquer coisa. Eles usaram ‘microscopia eletrônica de transmissão’ (TEM), que é uma técnica sofisticada ainda para os tempos de hoje (42 anos depois). A TEM permite, por exemplo, examinar o diâmetro de miosinas e actinas e a distância entre miofilamentos. É algo espetacular!

Nesse estudo, eles compararam amostras do tríceps braquial de atletas de elite do fisiculturismo (n=5) e do powerlifting (n=2) (~7 anos de treinamento) com um grupo de iniciantes (n=5). Esse grupo de iniciantes foi também submetido a um treinamento contrarresistência por 6 meses.

Um resultado que devo destacar foi que, apesar das grandes diferenças na perimetria do braço (42,8 vs. 33,7 cm), não houve diferença significativa nas áreas das fibras musculares entre os grupos de elite e o grupo controle pós-treinamento. Então, por lógica, o maior volume muscular teria que ser explicado pela diferença na quantidade de fibras. Mas há duas ponderações importantes:

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1)      Embora não houve diferença da área das fibras de ‘atletas vs. controle treinado por 6 meses’, na figura 1 do artigo fica evidente que, antes do treinamento, a área das fibras tipo II do grupo controle eram bem menores que a dos atletas. Então, o que os resultados efetivamente mostram é que treinar por 6 meses aumenta a área das fibras tipo II para valores similares a 7 anos de treino. A exceção foi para a área das fibras tipo I, que realmente sempre foram iguais entre atletas e o controle.

Antes da segunda ponderação, deixe-me fazer um parêntese: Vi o cientista José Antonio dizer, em 2014, num post de uma revista online, o seguinte sobre o artigo de MacDougall et al. (1982):

“...fisiculturistas e levantadores de peso de elite tinham circunferências de braço 27% maiores do que os controles sedentários normais, mas o tamanho (ou seja, área da seção transversal) das fibras musculares dos atletas (no tríceps braquial m.) não era diferente do grupo controle. (...) Isso, é claro, sugere que o grupo de elite tinha um número maior de fibras musculares esqueléticas.”

Essa afirmação dele só é verdade para as fibras tipo I, pois, na comparação com os ‘destreinados’, a área das fibras tipo II era maior para os fisiculturistas. E a segunda ponderação é:

2)      A área muscular foi estimada por perimetria e eles não contaram efetivamente o número de fibras. Algo estranho no estudo é que eles tinham condições para estimar o número de fibras por área, mas não o fizeram. A tabela 1 do artigo deles até sugere, mas não está clara, que eles tinham esses números. Mas, como eles não comentam sobre 'medida do número de fibras' no artigo, não dá para ter certeza.

Seja como for, considerando que a diferença de volume muscular seja totalmente real (ex: estou descontando a chance de parte da perimetria ser explicada por retenção hídrica), o que poderia explicar esse maior volume muscular em favor dos atletas?

As duas possibilidades mais razoáveis seriam: 1) hiperplasia, de fato; 2) os atletas de elite já tinham mais fibras musculares antes de começarem a treinar (maior dotação genética).

Mas os pesquisadores mantiveram certa desconfiança das próprias evidências indiretas (comportamento elogiável para cientistas), e, dois anos depois, publicaram outro artigo (McDougall et al., 1984). Desta vez foram em busca de evidência direta.

Fizeram biópsia de amostras do bíceps braquial de 5 fisiculturistas de elite (média de 6,2 anos de treino), mais 7 fisiculturistas de nível intermediário (média de 7,8 anos de treinamento) e 13 controles não treinados. A área de secção transversa muscular foi medida por tomografia computadorizada, e não por perimetria, como no artigo anterior.

Os atletas de elite tiveram área do bíceps maior do que os grupos intermediário e controle, e o grupo intermediário teve área do bíceps maior do que o controle.

A área média das fibras musculares dos grupos de fisiculturistas foi maior que do controle. A área média das fibras dos atletas de elite foi ~13% maior que o grupo intermediário, mas sem diferença estatística.

O número de fibras foi estimado a partir da contagem de pelo menos 550 fibras (descontando-se a área de tecido conectivo). O número de fibras variou de 172 a 381 mil no controle, de 198 a 374 mil no grupo intermediário e 204 a 419 mil no grupo de elite. E não houve diferença estatística entre os grupos.

O que os autores perceberam foi que a variação (172 a 419 mil fibras; até 244% de variação) dos participantes foi muito grande, e que várias pessoas do grupo controle tinham número maior de fibras que vários fisiculturistas. Então, os autores concluíram que essa diferença numérica da média do número de fibras em favor dos atletas NÃO seria fruto de hiperplasia, mas sim de dotação genética (já possuiam mais fibras musculares). 

Embora o grupo de elite tenha numericamente um pouco mais de fibras, eles até tiveram média de anos de treinamento menor que o grupo intermediário. Ou seja, se houvesse correlação direta entre hiperplasia e tempo de treinamento, era para o grupo intermediário apresentar valores numéricos de fibras superiores aos atletas de elite.

Essa hipótese de ‘dotação genética’ poderia, de fato, ser resultado da seleção natural que envolve o mundo atlético profissional. Pois só vão ficando no esporte profissional aqueles com melhores desempenhos. E, no fisiculturismo, volume muscular é 'desempenho'.

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Em 1987, o mesmo grupo de pesquisa publicou outro artigo (Sale et al., 1987) sobre o tema. Com método e técnicas muito similares ao estudo anterior, mas com os seguintes grupos: 13 homens destreinados e 11 fisiculturistas masculinos. Teve também um grupo feminino destreinado, mas, por prudência, apresentarei os resultados de comparação apenas dos grupos de mesmo sexo. 

Os resultados mais interessantes são que a média da área de secção transversa das fibras foi bastante maior para os fisiculturistas (~9,9 mil; EM 'micromêtros quadrado') quando comparado aos destreinados (~6,2 mil), mas sem diferença estatística entre eles para o número de fibras (~230 mil vs ~205 mil; estimei esses valores pela figura 8 do artigo).

Considerando esses resultados, o volume muscular maior (59%) dos fisiculturistas não pode ser atribuído ao número de fibras, mas sim à área.

Há vários artigos daquela época (~1980) frequentemente citados como 'evidência' de hiperplasia. O argumento mais comum seria que:

pessoas com alto volume muscular, como fisiculturistas, possuem fibras com área de secção transversa igual a pessoas destreinadas”.

Essa, inclusive, é a sugestão de Larsson e Tesch (1986) ao concluirem assim no artigo deles (e citam vários artigos para “sustentar”):

Os volumes musculares gigantescos dos sujeitos, juntamente com tamanhos de fibras musculares iguais ao tamanho das fibras de sujeitos habitualmente ativos, indicam mais fibras musculares nos atletas. Isso também foi sugerido em outros lugares (Green et al. 1979; MacDougall et al. 1982; Nygaard e Nielsen 1978; Tesch e Larsson 1982; Tesch e Karlsson, 1984).”

Se essa premissa da conclusão deles fosse verdade, realmente ficaria difícil contestar a hiperplasia. Afinal, como células musculares de alguém que faz treinamento de força por muitos anos poderiam ser do mesmo tamanho das células musculares de um destreinado? Só mesmo hiperplasia poderia explicar. Entretanto, essa premissa nunca passou de promessa.

Eu não sou ativista 'pró- ou anti-hiperplasia’. Ganho nada para defender ou atacar. Mas, sinceramente, nem o estudo de Larsson e Tesch (1986) e nem os que eles citaram na conclusão permitem afirmar que hiperplasia ocorre em músculos humanos. Veja:

Larsson e Tesch (1986) viram que a média de perimetria da coxa foi ~19% maior para 4 fisiculturistas quando comparado a 8 homens do grupo controle, mas não houve diferença estatística para a área de secção transversa das fibras (foi apenas 5% maior para os fisiculturistas).

Mas, além do baixíssimo poder estatístico e de não terem estimado o número de fibras, não há informações suficientes sobre o grupo controle. Apenas no abstract há um indicativo de que o grupo controle era formado por pessoas fisicamente ativas. Curioso que os fisiculturistas tinham 50% mais perimetria do braço, e apenas 19% mais para a coxa. Não dá para duvidar que o grupo controle praticava atividades (ex: corrida) com potencial de hipertrofiar as fibras musculares da coxa. Esses 19% podem, sim, ser explicados por dotação genética dos atletas.

Um dos artigos que Larsson e Tesch (1986) cita é exatamente o de MacDougall et al. (1982), mas já mostrei que as fibras tipo II de destreinados eram menores que dos fisiculturistas. Outro citado é Green et al. (1979), os quais sequer apresentam resultados sobre volume muscular. Além disso, o treinamento aumentou sim o tamanho das fibras tipo II (entre 22 e 28%). Outro citado é Nygaard e Nielsen (1978), mas parece ser um capítulo de livro. Não consegui acessar. O título refere-se a treinamento de ‘endurance’, que normalmente é corrida de longa duração.

Outro citado foi Tesch e Larsson (1982). Eles fizeram biópsias do vasto lateral e deltoide de 3 atletas do fisiculturismo e compararam com estudantes de educação física e atletas do powerlifting. Não encontraram diferença para a área das fibras entre os três grupos.

Mas além de ser quase impossível achar diferença estatística com apenas 3 no grupo, eles não apresentam qualquer medida de volume muscular e número de fibras. E mesmo não tendo sequer feito medida de circunferência com uma simples fita métrica, eles concluíram assim:

“(...) as grandes circunferências dos membros e a massa muscular dos fisiculturistas não resultaram do aumento das fibras musculares individuais.”

Vá entender! Último citado foi Tesch e Karlsson (1983). Esse eu só consegui o abstract, que em nenhum momento sugere que sedentários apresentam fibras musculares com área similar à de atletas hipertrofiados.

Enfim, são alguns estudos citados que não têm força para sugerir hiperplasia. Além disso, há uma infinidade de estudos com animais e humanos mostrando que o treinamento de força aumenta significativamente a área de secção transversa de fibras tipo I e/ou II quando comparado a um grupo não treinado (sugestão de leitura: Haun et al., 2019). Aliás, só neste post aqui, minha memória me traz agora os artigos de Maeo et al. (2024), Sale et al. (1987), MacDougall et al. (1982 e 1984)   e Green et al. (1979) que confirmam isso.

Em resumo, não faz sentido afirmar que pessoas com bastante hipertrofia induzida pelo treinamento contrarresistência teriam área de fibra como tamanho similar a destreinados. Só raras exceções à regra e comparações mal feitas dariam nisso.

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E, para concluir, volto ao estudo lá do início (Maeo et al., 2024) para explicar porque, a meu ver, ele não traz nada de novo. Eles viram que pessoas treinadas (média de 6 anos) apresentaram média de 34% mais fibras que destreinados. 

Já destaco uma questão importante. Se você olhar a figura abaixo, que é do estudo deles, perceberá que há duas pessoas treinadas (indicadas pelas setas) que destoam. As demais, de ambos os grupos, não são tão diferentes assim. Se essas duas pessoas apontadas pelas setas, as quais podem ter uma dotação genética diferenciada, fossem retiradas, provavelmente não haveria diferença estatística.


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Além disso, os autores juntaram os dados de ambos os grupos para correlacionar área muscular com número de fibras (r = 0,445). Mas faltou o obrigatório, que seria fazer essa correlação por grupo separado. Se o número de fibras também se correlacior com a maior área muscular nos destreinados, então a tese de dotação genética aumentaria, e a de hiperplasia diminuiria.

O estudo de McDougall et al. (1984) também fez uma correlação juntando todo mundo, mas eu consegui estimar só os resultados do grupo controle pela figura 3 deles. Na sequência eu fiz a correlação entre número de fibras e área muscular apenas no controle destreinado, e deu r=0,40. Mesmo sendo algo aproximado, sugere que quanto mais fibras uma pessoa destreinada tem, maior é sua área muscular. Trata-se de um potencial biológico herdado.

Esse estudo de Maeo et al. (2024) é mais um estudo transversal. E embora digam que um diferencial deles foi usar uma amostra bastante treinada (média de 6 anos), isso é similar ou menor que os fisiculturistas dos estudos da década de 1980.

Outra sugestiva qualidade dita por eles seria que a amostra deles não era usuária de anabólicos. Mas os autores não fizeram nenhum teste para confirmar isso. Apenas confiaram no relato da amostra. 

Outra importante limitação: o grupo de treinados tinha área de secção transversa 70% maior que os destreinados. Os pesquisadores podem ter incluído convenientemente pessoas muito musculosas. Não foi uma escolha aleatória de pessoas que treinavam há vários anos. Eles podem ter escolhido 'a dedo' pessoas pelo alto volume muscular. Esses 70% superam as diferenças entre controle e fisiculturistas dos estudos da década de 1980. Há, portanto, claro risco de viés em favor da maior dotação genética. 

Creio que a vantagem metodológica exclusiva deles seja a amostra um pouco maior (16 pessoas treinadas). O estudo também tem a grande qualidade de usar microscopia eletrônica de transmissão, mas não é uma exclusividade, pois  MacDougall et al. já haviam usado na década de 1980.

Considerando tudo isso, penso que esse novo estudo não é o que garante a existência de hiperplasia em músculo esquelético humano.

Você poderia me questionar, e eu até ficaria grato pela estima, qual é o meu julgamento sobre hiperplasia muscular induzida por treinamento de força.

Embora exercitei minha honestidade científica ao demonstrar que vários estudos citados como evidência de hiperplasia não são fortes o suficientes para tal, isso não significa que eu não acredite que hiperplasia possa ocorrer em músculos humanos. Não esqueçamos a famosa máxima científica: ‘ausência de evidência não é evidência de ausência’.

Considerando tudo que já acessei sobre o assunto, que, obviamente, não é tudo que existe, acredito que hiperplasia derivada da diferenciação e proliferação de células satélites ocorra em músculo esquelético de diversos animais e humanos submetidos ao treinamento de sobrecarga. Eu apostaria alto nisso. Sem medo.

E, sinceramente, não acho possível afirmar que o efeito disso seja tão baixo quanto andam chutando por aí. Como as células satélites poderiam gerar muitas células filhas, seria arriscado afirmar um limite baixo para esse potencial hiperplásico. O estudo de MacDougall et al. (1982), por exemplo, mostrou que 6 meses de treinamento conseguiu aumentar a área das fibras musculares para o mesmo nível que 7 anos de treinamento. Então, poderíamos questionar o que causaria aumento de massa muscular depois disso?

Imaginemos pessoas que treinam por 20, 30 ou 40 anos. Se elas percebem ganhos hipertróficos anuais, ainda que baixos, não poderia ser por hiperplasia? E qual seria o limite?

Apesar de um platô em torno de 6 meses, sabemos que décadas de treinamento são capazes de aumentar o volume muscular para níveis muito maiores. Então, eu não arriscaria limitar entre 3 e 10%, como alguns autores fazem.

Para a hiperplasia derivada de divisão longitudinal induzida por treino com sobrecarga, essa parece provável em modelo animal. Estudos mais recentes, usando uma droga que praticamente extingue as células satélites de camundongos, mostram que o treinamento com sobrecarga aumenta bastante o número de fibras musculares (ex: 26%) mesmo sem número significativo de células satélites (Murach et al., 2019). Isso sugere divisão longitudinal das células (mas não é prova garantidora, pois as células satélites não são totalmente extintas).

Mas em humanos eu ainda não apostaria nisso. Além de faltarem evidências diretas, temos que lembrar que o modelo de treino que nós humanos fazemos é bem diferente de uma ablação sinergista.

E, para concluir, há uma encrenca para resolver e que ajuda alimentar os céticos da hiperplasia: Essas células novas precisam de inervação. Mas como aconteceria essa inervação numa célula nova? Por ora só consigo compartilhar a dúvida.

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Então é isso, amiga e amigo... Obrigado por acompanhar até aqui. E se você gostou, compartilhe com colegas e amigos/as ou em suas redes sociais. Quem quiser receber as novas postagens deste Blog, basta clicar aqui para se inscrever na Newsletter.

E, como habitual, em tempos de escritas por inteligência artificial (ex: chatGPT e Gemini), vale dizer que essa postagem é feita exclusivamente das minhas leituras e interpretações ao longo da minha trajetória. E se quiser citar este post, pode ser mais ou menos assim:

Lunz, W. Hiperplasia em músculo esquelético humano: isso realmente existe? Ano: 2024. Link: https://www.wellingtonlunz.com.br/post/hiperplasia-muscular [Acessado em __.__.____].



 
professor wellington lunz

Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site wellingtonlunz.com.br. Tem se dedicado em transmitir conhecimentos baseados em evidências em diferentes áreas do conhecimento (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site ou e-mail: welunz@gmail.com.br  





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