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Falha muscular para quê? Entenda a ciência da ‘falha muscular’.


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Prof. Dr. Wellington Lunz

Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

É necessário treinar até a falha muscular para obter mais massa muscular (hipertrofia)? Esse é mais um tópico que estará no meu livro de hipertrofia muscular (previsão 2026). Neste post a ênfase será hipertrofia, mas sinalizarei sobre força e potência também. Antes, dois conceitos precisam ser esclarecidos:

1º) O que é treinar até a falha?

A pergunta não me parece a mais correta, mas é como me fazem. O assunto tem mais a ver com ‘falhar no exercício’ do que ‘treinar até a falha’.

A ‘falha muscular’ refere-se à incapacidade de continuar a série (conjunto de repetições) de um dado exercício. Ou seja, ocorre quando, durante a execução da série de exercício (ex: supino), você não consegue mais completar o movimento. Você se esforça muito para cumprir o movimento, e o sistema neuromuscular falha.

É o que muitos chamam de exaustão, ou fadiga, ou falha muscular momentânea, ou falha concêntrica, ou ação muscular voluntária máxima (essa última é mais formal, e mais usada para 1 RM).

2º) O que são repetições de reserva?

Para conversar sobre falha muscular, precisamos saber o que são repetições de reserva, conhecidas pela sigla RIR (repetitions in reserve).

As RIR referem-se ao número de reps que você conseguiria realizar até a falha muscular se não interrompesse o exercício antes da falha. Segue outra forma de dizer a mesma coisa:

‘Considerando um exercício com carga fixa, será a diferença entre o número máximo de repetições (realizado ou estimado) e o número submáximo de repetições (RIR = reps máximas – reps submáximas).

Exemplo: se você consegue fazer 10 reps até a falha muscular com 50 kg, mas em vez de fazer 10 reps você resolve fazer apenas 6 reps usando os mesmos 50 kg, você tem 4 RIR (10 – 6 = 4). Veja exemplos:

1 RIR = você encerra o exercício, mas ainda poderia realizar mais uma repetição.

4 RIR: você encerra o exercício, mas ainda poderia realizar mais quatro reps.

Fiz um pequeno vídeo tempos atrás explicando como cientificamente isso é usado (está aqui).

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Para quem estudou ‘frequência cardíaca (FC) de reserva’, lá na fisiologia do exercício, deve perceber uma lógica similar.

Sua FC pode estar agora em 70 bpm. Mas, numa situação de exercício máximo, pode chegar a ~200 bpm (se você tiver ~20 anos). Sua FC de reserva será 200 – 70 = 130.

Os conceitos de falha muscular e RIR são importantes, porque as comparações científicas têm sido entre exercitar até a falha muscular ou exercitar mantendo algumas RIR.

Tudo indica que essa história de treinar até a falha iniciou com Arthur Jones (criador das máquinas Nautilus), na década de 1970. Ele e seus discípulos, em especial o fisiculturista Mike Mentzer, popularizaram os treinos com alta intensidade (mas baixíssimo volume), que incluíam a falha muscular. Na época, se acreditava ser necessária carga máxima para se recrutar o máximo de unidades motoras. Hoje sabemos que não é verdade.

A ciência se interessou pelo assunto da falha muscular. Aliás, passou a usar como se obrigatório fosse, antes mesmo de investigar sua real necessidade. 

Sobre os protocolos científicos com séries até a ‘falha’ e ‘não falha’, temos o problema de que o volume (reps x séries x carga) pode ser igualado ou desigual. E o volume desigual adiciona um fator de confusão:

Suponha que você faça 3 séries no supino com 50 kg. Se você fizer 3 séries até a falha muscular, então, obviamente, fará mais reps do que se você fizesse 3 séries com 2 ou 4 RIR. Ou seja, seu volume (reps totais x carga) será diferente. Então, como resolver essa confusão do volume? 

O protocolo que Karsten et al. (2021) fizeram vai te ajudar a entender:

Grupo 1 = fez 4 séries de 10 reps até a falha muscular (2 min entre séries).

Grupo 2 = fez 8 séries com 5 RIR (1 min entre as séries).

Como a carga era igual para ambos os grupos, se você multiplicar ‘reps x séries x carga’ verá que dá o mesmo resultado.

O mais interessante é que Karsten et al. (2021) igualaram até o tempo de descanso entre as séries (8 min de descanso para cada grupo; não lembro de outro estudo com volume igualado que tenha feito isso).

Há muitos artigos originais comparando treinar até a falha muscular ou com diferentes RIR, tanto com volume igualado quanto volume desigual.

Mas, como há pelo menos 4 metanálises produzidas entre 2021 e 2023 relacionadas ao assunto (Vieira et al., 2021; Grgic et al., 2022; Hickmott et al. 2022Refalo et al., 2023), penso que podemos resumir tudo a partir delas. E, para quem quiser, os artigos individuais estão citados nessas metanálises.

Considerando inicialmente apenas os estudos com volume igualado e especificamente hipertrofia muscular, as conclusões que podemos fazer são:

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O Prof Wellington Lunz recomenda o Instituto Afficerre de Nutrição. Agende sua consulta, mentoria ou consultoria.

(1)     Pessoas destreinadas e com bom nível de treinamento (ex: média >1 a ~6 anos) não ganham mais hipertrofia muscular exercitando até a falha muscular do que treinando com protocolos com ≤ 3 RIR. Isso é bastante claro nos estudos com cargas geralmente >70% de 1RM.

Mas para atletas com mais de uma década de treino (ex: fisiculturistas competitivos), em virtude da falta de estudos, qualquer afirmação, a favor ou contra, seria mero “chute”.

(2)    Para protocolos de curta duração (até ~8-12 semanas) dá para afirmar também que treinar até a falha muscular não gera resultados piores comparado a treinar com RIR. Para protocolos de longa duração, não temos estudos suficientes para garantir até onde isso vai.

(3)    Para carga <50% de 1 RM temos poucos estudos, mas tudo indica que pessoas sem experiência, que fazem suas séries até o ‘momento em que desejam voluntariamente encerrar o exercício’ (não dá para afirmar quantas RIR exatamente), obtém ganho de hipertrofia similar a quem treina até a falha muscular.

Apesar dessa não diferença estatística nos protocolos com carga <50% de 1 RM, o tamanho de efeito tende a ser um pouco mais favorável a treinar até a falha (Refalo et al., 2023). E há um estudo original (Lasevicius et al., 2022) que mostrou que ficar muito longe da falha (ex: >10 RIR) praticamente impede o aumento de massa muscular em protocolo com baixa intensidade. E para pessoas muito treinadas ainda faltam estudos com cargas baixas.

Quando o volume é maior para quem treina até a falha muscular, há uma tendência de gerar resultados melhores para hipertrofia (Vieira et al., 2021; Refalo et al., 2023), principalmente para pessoas com experiência em treinamento de força (Grgic et al., 2022).

Uma relação “dose-efeito” é principalmente percebida nos estudos que usam o chamado ‘treinamento baseado na velocidade' (TBV) (Hickmott et al. 2022; Refalo et al., 2023).

Nos estudos com TBV, o encerramento do exercício é definido pela perda de velocidade do movimento, uma vez que a velocidade do movimento é inversamente relacionada ao processo de fadiga muscular.

Por isso, há estudos que comparam quem treina até perder mais velocidade (ex: >25%; mais perto da falha) com quem perde menos velocidade (ex: <20%; mais distante da falha) (Hickmott et al. 2022). A figura abaixo (chamarei de Figura 1), feita por Refalo et al. (2023) ilustra bem essa relação:


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Figura 1. Tamanho de efeito induzido em diferentes estudos com diferentes perdas de velocidade durante o treinamento baseado em velocidade (TBV).

Essa plotagem foi feita a partir dos tamanhos de efeitos dos vários estudos envolvendo TBV. Os pontos relacionados ao ‘Non-failure (A)’ e ‘Non-failure (B)’ são de comparações com formas conceituais de ‘treino até a falha’ levemente diferentes.

A questão, entretanto, é que, nesses casos, quem treina até perder mais velocidade faz um volume maior de treino, e isso poderia ser a explicação para os melhores resultados (Hickmott et al. 2022; Refalo et al., 2023).

De fato, que eu saiba, o único estudo (Andersen et al., 2024) com TBV que igualou o volume de treino entre os grupos testados (15% vs. 30% de perda de velocidade; 4,5 anos de experiência em treinamento) não encontrou diferença para hipertrofia muscular.

Vale dizer que 15% de perda de velocidade é um esforço baixo, enquanto perda de 30% já configura esforço elevado. 

Parece que não dá para predizer bem as RIR pela perda de velocidade do movimento, mas há sugestão de que participantes com 40% de perda de velocidade chegam à falha muscular em mais da metade das vezes (Hickmott et al. 2022).

Então, o melhor resultado em favor da hipertrofia pode estar mais associado ao volume de carga ou ao maior tempo sob tensão (sugiro meu post Hipertrofia: você está calculando errado o VOLUME para melhor entender a diferença entre volume clássico e tempo de tensão).

Olhando para a figura acima, a impressão que fico é que a cada repetição que fazemos devemos ter um ganho adicional, mas, provavelmente, em magnitude menor que o ganho gerado pela repetição anterior, até se chegar a um platô, em torno de 3 a 4 RIR, onde já não adianta fazer mais reps.

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Em resumo, obedeceria ao princípio do retorno decrescente, que comentei no post hipertrofia muscular: quantas séries fazer? Esse princípio nasceu no mundo da economia, mas adapta-se a várias áreas.

Lembra o formato de uma curva logarítmica. E lembra a curva teórica que fiz exatamente para a relação entre número de séries e hipertrofia, que está no mesmo post: hipertrofia muscular: quantas séries fazer? Seria a mesma lógica? Me parece bem possível.

Vale esclarecer que os pontos que estão plotados na Figura 1 não equivalem exatamente às RIR (ex: os últimos 3 pontos da figura não são respectivamente as últimas 3 reps. Deve ser algo perto disso, mas o eixo x tem a ver com perda de velocidade).

E qual seria o mínimo (limiar) de RIR para identificarmos algum ganho de hipertrofia? É algo que ainda precisa ser investigado.

Por ora, sabemos que treinar até perto da falha muscular, como ≤3 RIR (talvez ≤4 RIR), é o que podemos fazer de melhor para uma relação 'reps vs. hipertrofia' eficiente.

Embora não seja o foco desse post, posso dizer que para força e potência, em especial para membros inferiores, treinar até a falha tende a ser pior do que treinar com algumas RIR. Isso é mais claro quando o volume de treino é desigual (Davies et al., 2015; Vieira et al., 2021; Grgic et al., 2022), embora também ocorra quando o número de séries e a intensidade relativa são igualados (Hickmott et al. 2022).

Para força e potência, o ideal parece treinar até perder no máximo 25% da velocidade. Sugere-se que treinar até a falha induz prejuízos ao ganho de força e potência devido à fadiga neuromuscular (Hickmott et al. 2022).

Mas temos várias limitações relacionadas aos estudos e as metanálises que citei, as quais precisam ser destacadas:

(1)     Há raros estudos comparando pessoas bem treinadas com volume igualado. Conheço o estudo de Karsten et al. (2021), cujo protocolo citei lá no início do post, que investigou pessoas treinadas (2 a 5 anos) submetidas a protocolos ‘até a falha’ vs ‘não falha’ (intervenção de 6 semanas).

Eles verificaram que os flexores do cotovelo e o vasto medial hipertrofiaram mais no grupo que treinou até falha. Mas não houve diferença para o deltoide.

Ainda sobre isso, não sei por quê, mas um estudo desconsiderado pelas metanálises é o de Prestes et al. (2019), em que um grupo treinou com a técnica rest-pause, sempre até a falha, e o outro grupo fez um treino tradicional, sem ir até a falha.

O volume e intensidade (80% de 1 RM) foram iguais para ambos os protocolos. Também foi um estudo de apenas 6 semanas, em pessoas com > 1 ano experiência.

E eles viram maior hipertrofia induzida pelo treino até a falha muscular (rest-pause) na coxa, mas não para o peitoral e o braço (embora houve tendência a favor).

Há alguns artigos que investigaram algo perto da falha, mas não rigorosamente na falha muscular. Um exemplo é o estudo de Ruple et al. (2023), que foi publicado depois das metanálises que usei aqui.

Nesse estudo, os participantes, média de 6 anos de treinamento, foram aleatoriamente alocados em dois grupos (‘0-1 RIR’ ou ‘4-6 RIR’), os quais treinaram por 5 semanas, com volume igualado. Perceba que o grupo ‘0-1 RIR’ podia ir até a falha, mas não era uma exigência.

Os autores não encontraram diferença para hipertrofia muscular entre os protocolos.

Vale destacar que Ruple et al. (2023) não tiveram aparentemente a intenção de fazer um treino com volume igualado. Ocorreu que o grupo que treinou até (ou perto) da falha muscular foi perdendo desempenho ao longo das semanas. Ou seja, houve um processo de fadiga neuromuscular apenas no grupo que treinou até a falha muscular.

É um resultado preocupante porque confirma a crença de que treinar insistentemente até a falha muscular pode prejudicar a recuperação. E, em tese, isso deve prejudicar os ganhos de hipertrofia no longo prazo. E isso revela a necessidade que temos de estudos com maiores durações.

(2)     Até o momento, não temos sequer um estudo envolvendo pessoas excessivamente treinadas, como atletas competitivos do fisiculturismo. Há muitos entusiastas e fisiculturistas que treinam há mais de 10, 20 ou 30 anos, mas não sabemos se essas pessoas se beneficiariam ou não treinando até a falha muscular. Precisamos de estudos.

(3)    Vários (talvez a maioria) estudos não medem as RIR com "precisão" aceitável.

(4)    Duas das metanálises (Grgic et al., 2022; Hickmott et al. 2022) que citei usaram vários tamanhos de efeitos do mesmo estudo. Julgo isso como muito incorreto, porque superestima o peso de estudos com múltiplos resultados. Precisaremos de metanálises metodologicamente melhores.

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E, finalmente, concluo: essa história de exercitar ou não até a falha muscular não se trata de decisão “tudo ou nada”, “certo, ou errado”, “se inclui, exclui-se”.

Particularmente, na maioria de minhas séries, faço com ~1 RIR (há tempos). Mas, por vezes, eu faço alguns exercícios estáveis/seguras até a falha muscular, porque, por experiência, sei que minha percepção de esforço pode me enganar sobre o número de RIR. 

Lembro de uma situação em que eu fazia ~10 reps na cadeira extensora, achando que estava terminando com 1 RIR. Certo dia, decidi ir até a falha muscular e fiz 16 RM.

Ou seja, há uma espécie de freio psicológico, de modo que, ocasionalmente, julgo prudente ir até a falha muscular para testar. Faço isso aproximadamente a cada três semanas. Só re-treino quando completamente recuperado, e não tenho perdido desempenho assim.

Então é isso, amiga e amigo... Obrigado por ler até aqui. E se você gostou, compartilhe com colegas e amigos/as ou em suas redes sociais. E quem quiser receber as novas postagens deste Blog, basta clicar aqui para se inscrever na Newsletter.

E, como habitual, em tempos de escritas por inteligência artificial (ex: chatGPT e Gemini), vale dizer que essa postagem não usa isso... é feita exclusivamente das minhas leituras e interpretações ao longo da minha trajetória.

Lunz, W. Falha muscular para quê? Entenda a ciência da ‘falha muscular’. Ano: 2024. Link: https://www.wellingtonlunz.com.br/post/falha-muscular [Acessado em __.__.____].

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Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Tem se dedicado em transmitir conhecimentos baseados em evidências em diferentes áreas do conhecimento (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site ou e-mail: welunz@gmail.com.br  





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