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Estresse tensional ou mecânico realmente causa hipertrofia muscular?

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Prof. Dr. Wellington Lunz

No post anterior intitulado ‘Microlesões causam ou não causam hipertrofia muscular?’, eu apresentei evidências que permitem inferir que microlesões musculares NÃO são um dos mecanismos de explicação da hipertrofia muscular esquelética.

Também já fiz um post (este aqui) mostrando que o estresse metabólico NÃO é aparentemente um mecanismo direto para hipertrofia muscular.

Embora os mecanismos de explicação da hipertrofia muscular são bem mais abrangentes e sofisticados, dos três mecanismos classicamente sugeridos como explicadores da hipertrofia muscular, que são o estresse tensional, estresse metabólico e microlesões, apenas o estresse tensional ou estresse mecânico parece ser realmente um mecanismo direto. Hoje mostrarei isso a você.

A mecanotransdução é um fenômeno celular bem conhecido. Há, por exemplo, canais iônicos sensíveis ao estresse tensional (Roberts et al., 2023), e conhecemos bem o fenômeno da mineralização óssea induzida por estresse mecânico.

Também sabemos que músculos não submetidos a estresse mecânico atrofiam rapidamente (ex: acamados, astronautas).

Outra forte evidência em favor do estresse tensional é o fato do 'estresse de tração por alongamento' também causar hipertrofia muscular. Em alguns modelos animais (ex: aves) é algo muito impressionante (Antonio & Gonyea, 1993). Aliás, é também um fenômeno natural, pois ossos em crescimento tracionam músculos, e assim induzem aumento do número de núcleos e sarcômeros em série (Roberts et al., 2023).

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É verdade que a adaptação hipertrófica muscular induzida por estresse de tração por alongamento é diferente da induzida pelo estresse de tensão gerada por contração muscular.

A hipertrofia muscular induzida por alongamento é predominantemente 'em série' (longitudinal; aumento no comprimento), e a hipertrofia muscular por contração é principalmente 'em paralelo' (radial; aumento na largura), exceto aquela derivada do treinamento excêntrico.

O treinamento excêntrico é, de fato, um caso a parte, pois, além da tração ativa, envolve maior tração passiva em comparação ao treinamento concêntrico.

Considerando os protocolos de alongamentos que habitualmente prescrevemos para humanos, a hipertrofia muscular induzida por tração de alongamento é pequena ou nula (Every et al., 2022; Wadhi et al., 2022), mas a hipertrofia induzida por estresse contrátil, seja no treinamento concêntrico ou excêntrico, é muito significativa (sei que você nem me cobrará referências científicas).

Seja como for, tanto o estresse mecânico de tração quanto o contrátil induzem hipertrofia. Os mecanismos moleculares envolvidos nessas adaptações muito provavelmente não são exatamente iguais, mas é assunto para outro momento.

Mas, você, cético, apesar de meus argumentos até aqui, poderia me perguntar: “Mas há prova direta de que a tensão gerada pela interação actomiosina promove hipertrofia?

É uma ótima pergunta, e difícil de responder cientificamente sem ruídos. Isso porque a hipertrofia muscular não é um evento agudo, mas crônico. Pode ser local, mas sofre influência sistêmica. Enquanto fenômeno, ocorre no espectro do invisível. Enfim, muitas complicações.

Mas vou te apresentar um estudo muito legal, que aumenta a força dos meus argumentos. Antes, para você entender melhor o estudo, eu preciso esclarecer algumas coisas.

Os mecanismos moleculares relacionados à hipertrofia são complexos e não são totalmente conhecidos. Mas, pontual e resumidamente, há evidências em modelo animal de que a interação actomiosina ativa a via molecular mTOR (mammalian target of rapamycin).

A mTOR é uma proteína quinase serina/treonina claramente associada a hipertrofia muscular. A mTOR possui dois complexos proteicos (TORC1 e TORC2), e falarei dela quando eu abordar a cascata hipertrófica.

Ahhh... e não confunda mTOR com MTor (leia isso aqui depois). A segunda é só picaretagem mesmo.

A mTOR, por sua vez, é responsável por ativar várias moléculas, e uma delas é a proteína ribossomal S6 (rpS6), que está envolvida na tradução proteica. Vamos agora ao estudo.

Foi realizado por um grupo de pesquisa dinamarquês (Rindom et al., 2019). Os pesquisadores fixaram músculos de ratos num aparato que permite ajustes em frações milimétricas.

Inicialmente eles mostraram que tanto a tração de alongamento quanto a tensão de contração ativaram igualmente e significativamente as vias anabólicas mTOR e rpS6.

Para saber se essa sinalização anabólica dependia da interação 'actina-miosina' (actomiosina), eles usaram uma droga que bloqueava a ATPase miosínica, impedindo assim a tensão induzida pela contração celular. E esse bloqueio foi capaz de impedir a ativação da mTOR e rpS6 decorrente da contratilidade, mas não impediu a ativação delas pela tensão de alongamento.

Ou seja, essa parte do experimento mostrou que a ativação da mTOR e da rpS6 depende de tensão, seja de alongamento ou contrátil.

Na sequência eles mostraram que a estimulação elétrica não ativou as vias anabólicas quando a interação actomiosina foi bloqueada. Ou seja, a ativação elétrica isoladamente não estimula a mTOR e rpS6. E aqui vale um parêntese:

Houve uma época que se acreditava que era a estimulação elétrica que causava hipertrofia (via fatores neurotróficos). Isso nunca foi provado, e esse estudo ajuda a apagar esse fogo. Voltando ao estudo:

Depois os pesquisadores quiseram entender se a mTOR e rp6S aumentavam à medida que a tensão de contração aumentava. Inicialmente compararam cargas progressivas, mas com tempo de tensão fixado. E viram que quanto maior era a carga, maior era a sinalização da mTORC e rpS6.

Também compararam diferentes tempos de tensão, mas com carga fixada (mesma carga). E aí surgiu um resultado inicialmente inesperado por mim. Eles viram que o tempo de tensão não foi importante para amplificar a ativação da mTORC e rpS6. Ou seja, a carga (peso) foi importante, mas o tempo de tensão não.

Entretanto, é preciso uma ponderação sobre isso. O experimento contrátil envolvia várias séries com várias repetições (ex: 10 séries de 6 reps). Ou seja, não dá para excluir totalmente o efeito do tempo de tensão, uma vez que cada repetição adicional significa maior tempo sob tensão.

O que o estudo permite afirmar é que depois de um certo tempo de tensão já não há efeito adicional para essas vias anabólicas estudadas. Mesmo no experimento com carga progressiva e tempo fixado, não tem como eliminar totalmente o tempo de tensão, pois toda contração exige um certo tempo.

Há um estudo (Nóbrega et al., 2023) de um importante grupo de pesquisa brasileiro, feito em humanos, que mostrou que a progressão do volume de treino pela variável ‘peso’ (carga) gerou maior slope (ganho) de hipertrofia que a progressão pelo ‘número de repetições’ (mais reps = maior tempo de tensão).

Esse estudo mostrou que tanto ‘peso’ quanto ‘tempo de tensão’ produziram ganhos de hipertrofia, embora, como disse acima, a progressão com ‘peso’ produziu resultados melhores. Mas o tempo de tensão (via mais reps) também induziu hipertrofia significativa.

A importância do tempo de tensão para hipertrofia muscular humana também já foi confirmada num outro excelente estudo feito por cientistas brasileiros (Martins-Costa et al., 2022) e em vários estudos envolvendo isometria (ver revisão de Oranchuk et al., 2019).

Para você entender melhor essa história da importância do tempo de tensão, te convido a ler depois um outro post meu intitulado ‘Hipertrofia: Você está calculando errado o VOLUME’.

Mas há uma questão bastante intrigante para a gente discutir:

É, de fato, a maior carga (peso) ou é a maior interação actomiosina dentro do miócito que induz hipertrofia muscular?

Certamente você que está me lendo agora, se for da área de treinamento de força e hipertrofia, sabe que temos muitos estudos mostrando que treinar entre 20 e 30 repetições máximas (carga leve) gera hipertrofia similar a treinar com 3 a 12 repetições máximas (carga pesada).

Se a carga em si fosse o mais determinante para o ganho de massa muscular, treinar com cargas maiores deveria gerar mais hipertrofia que treinar com cargas menores. Mas isso não acontece nem mesmo quando se treina com carga máxima (Dankel et al., 2017; Mattocks et al., 2017).

Então isso acaba nos levando à hipótese de que a quantidade e o tempo de interação actomiosina são mais relevantes para induzir a adaptação hipertrófica.

E teremos o máximo de interação actomiosina quando o máximo de células for recrutada, e cada uma dessas células recrutadas trabalhar no seu máximo potencial.

Há uma coisa que muita gente não sabe. Quando uma célula muscular é recrutada (acionada), isso não significa que ela trabalhará no máximo potencial dela. Ou seja, recrutar uma célula não significa dizer que ela terá o máximo de interação actomiosina possível.

A gente sabe que uma forma de fazer a célula gerar mais força é aumentando a frequência de estimulação neural ou elétrica, pois isso aumenta a liberação de cálcio intracelular que, por sua vez, aumenta a força contrátil (MacDougall e Sale, 2014).

É fácil imaginar que teremos muitas células recrutadas quando enfrentamos muita carga, e que essas células terão muita interação actomiosina. Então por que carga máxima não causa tanta hipertrofia assim?

Uma resposta razoável para isso é que não basta apenas recrutar muitas células e ter muita interação actomiosina. Como já disse, o tempo de tensão é também bastante importante. Embora o recrutamento celular seja alto com carga máxima, o tempo de tensão é baixo. 

Mas creio que uma questão ainda mais intrigante que você poderia me fazer é:

Como imaginar o máximo (ou perto disso) de interações actomiosina quando exercitamos com carga baixa? 

Nesse caso o tempo de tensão é alto, mas as interações actomiosina seriam suficientes?

Minha hipótese (e não sou o único) é:

"Aparentemente o exercício com carga baixa só induz hipertrofia significativa quando feito até a exaustão (Lasevicius et al, 2022). Exercícios com carga baixa feitos até a falha exigem mais do sistema anaeróbio, acidificando o músculo. Isso será percebido por metaborrecepetores, que pelas vias aferentes III e IV irão sinalizar ao sistema nervoso central a necessidade de maior recrutamento de unidades motoras e maior taxa de disparo neural (MacDougall e Sale, 2014). Com isso teríamos mais miócitos trabalhando e mais interação actomiosina dentro de cada célula".

Gosto sempre de lembrar que um miócito muscular esquelético produz, em média, 532 a 549 micronewtons de força. Claro que isso varia bastante (variação: 208 a 262 micronewtons) (Wackerhage et al., 2019), mas de qualquer forma está na casa dos micros ou milinewtons.

Isso significa que um miócito não precisa de muita carga para trabalhar no seu máximo potencial. Gosto de uma analogia que frequentemente eu cito em aula:

Imagine 10 pessoas adultas segurando um piano de 200 kg. Então temos que cada pessoa fará ~20 kg de força. Obviamente que isso está longe da força máxima de cada pessoa. Cada pessoa está, portanto, exercendo força submáxima. Agora suponha que uma dessas pessoas fadigue e não consiga mais continuar segurando o piano. O peso (200 kg) ficará para as outras 9 pessoas, e agora será de ~22,2 kg por pessoa. Suponha que mais uma pessoa fadigue. Então as 8 pessoas restantes terão que fazer 25 kg de força. E assim por diante”.

Se a gente pensar em ‘células musculares’ segurando ‘pesos’, um cenário como dessa analogia acima obrigaria as células não fadigadas fazerem cada vez mais força, apesar do peso externo continuar o mesmo.

E como uma célula poderia ativamente fazer mais força? Isso só parece possível exatamente com mais interação actomiosina.

É claro que pensando num organismo segurando um peso, a estratégia seria tanto chamar mais unidades motoras (“mais gente para segurar o piano”) quanto fazer progressivamente mais força à medida que células vão fadigando (mais interação actomiosina em cada célula).

Mas tudo isso que disse até agora é para argumentar que é a experiência de tensão de cada célula muscular esquelética que parece fundamental para sinalizar para a hipertrofia muscular. Isso é mais importante que a carga externa (peso) absoluta.

Como mostrei na analogia anterior, essa experiência de tensão celular não precisa de uma carga absurdamente alta. Portanto, não precisamos treinar com carga máxima para isso ocorrer. No corpo humano estamos nos referindo a um coletivo de células, e não células isoladas.

E você ainda, elogiosamente curiosa/o, poderia me questionar:

Como exatamente essa maior tensão gerada pela interação actomiosina sinaliza para hipertrofia muscular?

Tenho duas hipóteses:

(1) a clivagem do ATP pela ATPase miosinica gera ao mesmo tempo contração e sinalização para hipertrofia muscular;

(2) a tensão gerada é percebida por mecanossensores (e talvez outros), que sinaliza para a cascata hipertrófica.

E no próximo post eu falarei exatamente dos sensores relacionados à sinalização da hipertrofia muscular (e não são apenas os mecanossensores). 

Então é isso amiga e amigo... Obrigado por acompanhar até aqui. E se você gostou, compartilhe com colegas e amigos/as ou em suas redes sociais. E quem quiser receber as novas postagens deste Blog, basta clicar aqui para se inscrever na Newsletter.

E, como habitual, em tempos de escritas por inteligência artificial (ex: chatGPT e Gemini), vale dizer que essa postagem não usa isso... é feita exclusivamente das minhas leituras e interpretações ao longo da minha trajetória. E se quiser citar este post, pode ser mais ou menos assim:

Lunz, W. Estresse tensional ou mecânico realmente causa hipertrofia muscular? Ano: 2024. Link: https://www.wellingtonlunz.com.br/post/estresse-tensional-causa-hipertrofia [Acessado em __.__.____].

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professor wellington lunz

Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Tem se dedicado em transmitir conhecimentos baseados em evidências em diferentes áreas do conhecimento (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site ou e-mail: welunz@gmail.com.br  





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2 Comments

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Divo Zaniqueli
Divo Zaniqueli
Jul 01
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Excelente raciocínio. Nessa era da informação rápida e imprecisa, estamos precisando que mentes mais analíticas tenham espaço.

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Blog Prof. Wellington Lunz
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Jul 02
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Muito obrigado meu amigo! 😊

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