"As representações elaboradas sobre os grupos minoritários e suas manifestações culturais precisam ser identificadas e examinadas, pois costumam basear-se em estereótipos"
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Autor: Alvimar Jorge Guedes
O objetivo deste texto é propor uma reflexão com vistas a aproximar os Princípios Norteadores do Projeto Pedagógico de Curso (PPC) de Bacharelado em Educação Física (EF) (2016) da Tematização e dos Princípios éticos da Educação Física Cultural.
A Educação Física Cultural propõe, dentre outras coisas, a tematização das práticas corporais, defendendo o direito à diferença e adotando uma postura dialógica que inclua nas aulas e nas atividades os pontos de vistas dos sujeitos que estão participando daquele momento acadêmico: suas ideias, seus saberes, suas representações.
O resultado é a formação de um sujeito democrático, antifascista e solidário. Tematizar uma prática corporal significa torná-la tema, organizando uma série de atividades/intervenções que ajudem a compreender a ocorrência social daquela prática. Partindo desse pressuposto, a prática corporal passa a ser então prática discursiva, já que ao tematizá-la, ela será traduzida, interpretada e re-significada pelos sujeitos envolvidos.
Neira (2016) afirma que a tematização das práticas corporais fornece elementos importantes para compreender a complexidade do processo de produção do conhecimento e como funcionam os mecanismos regulatórios que formatam as opiniões das pessoas a respeito de si mesmas, dos demais e de tudo o que as cerca. Ele lembra que, além de abrir espaço e assinalar os saberes que tradicionalmente foram renegados, a Educação Física cultural traz para o debate os diferentes sentidos e discursos que envolvem as práticas corporais ou quem delas participa:
“As representações elaboradas sobre os grupos minoritários e suas manifestações culturais precisam ser identificadas e examinadas, pois costumam basear-se em estereótipos”. (Neira, 2016, p. 96)
As produções discursivas que desqualificam as práticas corporais e seus participantes, segundo aquele articulista, contribuem apenas para afirmar determinados grupos e negar outros, levantando muros entre as pessoas. Se forem transformadas em objeto de análise durante as aulas, será possível identificar as origens, a serviço de quem se encontram e desnaturalizá-las (Neira, 2016).
O PPC do Bacharelado em EF da UFES, em seus Princípios Norteadores, afirma que ele foi pautado na discussão epistemológica, bem como em núcleos temáticos que, quando relacionados ao mundo do esporte, lazer e saúde são entendidos como um “conjunto de práticas de múltiplos significados”; “um valor e demanda social que podem ser realizados em múltiplas formas, tempos e espaços sociais”; e “um conjunto de conhecimentos e práticas relacionadas à manutenção e melhoria da integridade biopsicossocial da vida humana”. E por isso, ele “contempla estudos pesquisas e intervenções para o atendimento às demandas sociais relativas ao aprendizado (...)” (PPC, 2016, p. 9).
Estudar uma prática corporal com foco no atendimento às demandas sociais, tal qual propõe o PPC, aponta a necessidade na busca pela compreensão do efeito dessa mesma prática na sociedade. Esse debate de como ela foi dinamicamente internalizada, traduzida e interpretada pelos sujeitos faz dela um tema de discussão, bem como defende a Educação Física Cultural:
“A tematização das práticas corporais com base na sua ocorrência social e a problematização dos significados que lhe são atribuídos objetiva imergir os estudantes nas águas da realidade.” (Neira, 2016. p. 95).
Além disso, a discussão epistemológica, na qual se viu construído os Princípios Norteadores do PPC, permite entender que as práticas corporais, enquanto saberes científicos, vão ser questionadas, indagadas e avaliadas à luz do rigor epistemológico. E ao se tornar uma prática discursiva, a prática corporal se transforma em ente cultural, sugerindo um diálogo com a Educação Física Cultural, já que “adentra no campo de lutas em busca pela validação de seus significados e representações.” (Neira, 2016).
Neira (2016) alerta que na condição de artefato cultural, qualquer brincadeira, dança, luta, esporte ou ginástica veicula ideologias que, sem a devida atenção, insuflam tendências segregacionistas ou integracionistas, que tanto podem reforçar o preconceito e a injustiça social quanto reconhecerem e valorizarem as diferenças. Segundo ele, cabe ao professor e aos alunos analisarem os signos do poder presentes nas práticas corporais, examinar as relações de dominação e subjugação envolvidas e, consequentemente, observar quais identidades são valorizadas ou menosprezadas.
Por conseguinte, a tematização das práticas corporais sugere considerar os princípios éticos da Educação Física cultural, quais sejam: a necessidade de uma aula articulada com o projeto político pedagógico, a valorização da manifestação das diversas atividades corporais/culturais dos mais diferentes grupos (justiça curricular), a abrangência de saberes diversos e até mesmo esquecidos (descolonização do currículo), a utilização das noções que alunos e professor possuem acerca da prática corporal (ancoragem social dos conhecimentos) e o respeito à bagagem e os saberes distintos que os sujeitos trazem, evitando assim, o daltonismo cultural (Neira, 2016).
Para um documento norteador de um currículo de graduação que se pretende submeter-se à discussão epistemológica e como campo de intervenção acadêmico-profissional, como declara o PPC, é interessante que se considere o debate ético como fenômeno social a ser discutido.
Nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física, o ministério da educação, através do conselho nacional de educação, publicou a Resolução 07, de 31 de março de 2004, que instituiu as diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação em Educação Física em nível superior. Já no artigo 4º, o documento ratifica a relevância da ÉTICA enquanto ente qualificador do profissional de Educação Física quando diz que a sua formação deve ser fundamentada no “rigor no rigor científico, na reflexão filosófica e na conduta ética.” (2004, artigo 4º).
Sendo assim, os Princípios Éticos da Educação Física Cultural podem contribuir para a robustez desse debate. Não se trata de hierarquizar documentos ou temas, mas sim de uma proposta de diálogo entre eles, de forma que se complementem, a ponto de permitir uma construção curricular mais crítica, contextualizada e humanizadora.
Até o próximo post!
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REFERÊNCIAS:
A referência 'Neira (2016)' está como link no próprio texto. As demais seguem abaixo:
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Câmara de Educação Superior. Resolução 07, de 31 de março de 2004.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO. Centro de Educação Física e Desportos. Coordenação do curso de Graduação em Educação Física. Projeto Político Pedagógico do curso em Educação Física. 2012. Disponível em www.cefd.ufes.br
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