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Drogas, Renato Cariani, Polícia Federal e Fitness.

Atualizado: 15 de jul.


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Prof. Dr. Wellington Lunz

Vi uma reportagem semana passada dizendo que no dia que a Polícia Federal (PF) concluiu o inquérito que investiga Renato Cariani por tráfico de drogas, ele recebeu o prêmio iBest de melhor influenciador.

Em relação ao iBest, não dedicarei um segundo da minha vida para saber o que é. E apesar de 7 milhões de seguidores no IG, eu quase nada sei do Cariani. Ao longo dessas minhas mais de duas décadas na educação física, meu cérebro já automatizou filtros para aquilo que ele acha que devo ou não dedicar atenção. E isso frequentemente me coloca na contramão das coisas.

Eu e o Cariani somos indiferentes um ao outro. Com esse indiciamento concluído, Cariani terá oportunidade de se defender. Ninguém deve ser condenado sem antes o direito a ampla defesa, e de ser julgado por um juiz ou juiza imparcial. Inclusive porque atinge toda família (há os pais e deve haver esposa, filhos ou filhas).

Algumas pessoas que conversaram comigo não se espantaram com a possível relação do Cariani com tráfico de drogas, mas sim com o tipo de droga. O que a PF acusa Cariani é de usar a empresa dele num esquema que coloca vendedores clandestinos de anabolizantes no patamar de peixinhos recém-nascidos perto de um tubarão-branco de "barbas brancas".

Certamente por culpa dos meus mais de 20 anos na educação física (já vi de quase tudo), a única coisa que conseguiu me chamar atenção nessa história toda foi o fato da palavra fitness estar no meio dessa “salada”, pois todos os veículos jornalísticos chamam Renato Cariani de influenciador fitness.

O que fiquei pensando é se o fitness é (ou não) inocente nessa história. Te convido a acompanhar meu raciocínio.

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Talvez os mais jovens já estejam acostumados a uma certa separação entre fitness e saúde, pois nas últimas décadas surgiu a expressão wellness, que assumiu o lado health da história. De modo que hoje temos o 'fitness' mais associado a aptidão e desempenho, e wellness mais associado a saúde e qualidade de vida.

Particularmente acho importante essa diferenciação conceitual, porque realmente aptidão física não é sinônimo de saúde. A coisa é bem mais complicada. E nem vou entrar hoje no conceito de saúde, porque dá um livro. Mas sabemos que atletas, símbolos do desempenho físico, nem sempre são ou estão saudáveis. Depois voltarei a isso.

Mas fitness e saúde foram unha e carne por bastante tempo. Eu creio até que a maioria das pessoas ainda associa fitness com saúde. O marketing, por exemplo, usa e abusa de colocar corpos atléticos em cenas que representam um ‘cenário saudável’ (ex: exercício físico).

E é daí que me questionei: De onde veio a palavra fitness? Porque fitness foi associado à saúde por tanto tempo, e por que deixou de ser? Aliás, por que a palavra fitness está no campo das ciências do treinamento físico?

Dando uma pesquisada em dicionários online como Oxford, Cambridge e Collins, a gente encontra que fitness pode ser substantivo, verbo e adjetivo, mas que acabam querendo passar as seguintes ideias:


condição de estar fisicamente apto e saudável.”

condição de ser fisicamente forte e saudável

E também:


qualidade de ser adequado para cumprir uma tarefa específica.”

o quão adequado alguém ou alguma coisa é


É também usado na biologia para descrever “a capacidade de um organismo sobreviver e se reproduzir num ambiente específico.

Mas pesquisando sobre a etimologia da palavra fitness, vi que o uso originário está mais associado a suitable, que tem a ver com ‘adequado’, ‘conformidade, ‘correto’, ‘indicado’, ‘bom’. Um dicionário de etimologia online diz que ‘fitness’ teria surgido em meados do século 15, e sua verdadeira origem está no âmbito do hipotético.

Na década de 1570 a palavra ‘fitness’ significava "estado ou qualidade de ser adequado". Em 1867 um autor chamado Harvey Spencer escreveu ‘fitter’ para caracterizar algo mais apto, em particular ‘a sobrevivência do mais apto’.

No atletismo, a palavra ‘fitness’ foi vista sendo usada em 1869 para descrever algo como: "em condições; devidamente treinado para a ação". E em 1916 foi usada no fisiculturismo para descrever "alguém dedicado a cultivar a boa forma e a força", e em 1935 usado em outras áreas da cultura do movimento para representar "estado de boa forma física".

Nesse dicionário de etimologia online tem um gráfico que mostra que depois de 1980 a palavra fitness decolou. Coincide com a época da explosão da ‘ginástica aeróbica’ nas academias norte americanas.

Mas nisso tudo que falei aí em cima não vemos a palavra fitness associada à saúde. Mas onde exatamente o fitness passou a incorporar a ideia de saúde?

É interessante que a primeira diretriz do Colégio Americano de Medicina Esportiva (ACSM), em 1978, fundamentou suas recomendações basicamente em estudos relacionados à ‘aptidão’, e não à saúde, doença ou mortalidade. Só na diretriz de 1995 houve uma inclinação em associar exercício físico com saúde.

Eu creio que foi nessa ‘meiuca’ temporal que o fitness passou a contemplar saúde. Quando uma diretriz afirma sobre uma dada relação entre coisas, ela basicamente está revelando um conhecimento acumulado que é obviamente anterior à própria diretriz. De fato, em 1995 já não se tinha a menor dúvida que ‘aptidão’ (fitness) e saúde estavam associados.

Embora a relação entre exercício físico e saúde foi percebida há milênios, a ponto do filósofo grego Platão (428 - 348 a. C.) ter afirmado muito antes de Cristo que “o exercício físico metódico poderia salvar e preservar a vida humana”, a produção do conhecimento científico que efetivamente comprovou que exercício físico era bom para a saúde não tem sequer 100 anos de história.

Tudo indica que os estudos pioneiros (em termos de robustez) sobre isso foram feitos por Jeremiah N. Morris e cols. na década de 1950. Os resultados desses estudos mostraram clara associação entre o baixo nível de atividade física com a incidência de doenças cardíacas, angina pectoris, infarto e morte súbita cardíaca.

Ou seja, Morris e cols. mostraram que o sedentarismo estava mais associado a doenças e mortes, o que obviamente permitiu inferir que os mais ativos eram mais saudáveis e viviam mais. O que tem sido confirmado de forma reiterada.

Sobre essas histórias que estou contando nos últimos 5 parágrafos, você poderá ter mais detalhes num artigo que eu orientei (esse aqui). Ficou muito legal. Deixo o convite aos interessados.

Mas, voltando, me parece que a lógica social usada foi: "Se os mais aptos são mais saudáveis, e se atletas são muito aptos, então atletas são muito saudáveis". Mas percebam que essa lógica é perigosa.

Se ‘A’ (aptidão) está associado a ‘B’ (saúde), e ‘C’ (atletas) está associado a ‘A’, não significa que que C e B tenham qualquer relação. Aliás, essa relação, se existisse, poderia até ser inversa. Veja um exemplo:

O fulano ‘A’ é inteligente e gosta do produto ‘B’. O fulano ‘C’ é inteligente e odeia o produto ‘B’. Ou seja, A e C são 'fulanos' e tem a ‘aptidão inteligência', mas relação oposta com o produto B.

Por falta de compreensão de lógica (que eu entendo que deveria existir como disciplina nas escolas), há no imaginário popular (e não só) a ideia de que atletas são sempre mais saudáveis. E, pior, que seriam referência em saúde.

Eu já vi num congresso um vídeo de um atleta de alto rendimento, dos 100 m rasos, que teve uma fratura exposta enquanto competia. O médico que apresentou o caso afirmou que a fratura foi causada por estresse de repetição. O atleta estava em overtraining. Seus ossos eram repletos de microfissuras e desgastes. Mas quem olhasse o shape do atleta imaginaria o oposto.

No fisiculturismo os exemplos são ainda mais evidentes. Com frequência muito acima do normal vemos atletas abarrotados de músculos que subitamente morrem.

A coisa é tão perversa que vivemos hoje algo que chamarei aqui de ‘paradoxo do corpo saudável’. Que é o seguinte:


Para ser um influenciador no campo do corpo saudável é preciso submeter o corpo a comportamentos nada saudáveis.


Com frequência vemos gente dando recomendações de como ter um corpo saudável enquanto transpira anabólicos sintéticos. Essa gente tem mais chance ser influencer.

Mas, para encerrar, se considerarmos ‘fitness’ como ‘suitable’, somos obrigados a concluir que Renato Cariani é, de fato, um influenciador fitness, pois a maioria de seus seguidores deve considerar o corpo dele como suitable ('adequado', 'indicado', 'correto'). O fitness, enquanto conceito, não tem qualquer preocupaçao com os meios para conseguir o shape.

As drogas também são fitness/suitable, pois são sempre adequadas para alguma coisa. Até a PF é fitness/suitable nessa história, pois cumpriu adequadamente sua função.

Enfim, parece que tudo e todos dessa história são fitness/suitable. E parece que eu, embora não esteja na história, não sou fitness (amém!). Novamente me vejo na contramão.

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E em tempos de escritas por inteligência artificial (ex: chatGPT e bard), vale dizer que essa postagem NÃO usa isso. É feita exclusivamente das minhas leituras e interpretações.

E quem quiser citar essa postagem, pode ser mais ou menos assim:

Lunz, W. Drogas, Renato Cariani, Polícia Federal e Fitness... Uma salada danada! Ano: 2024. Link: https://bit.ly/3SpXvra [Acessado em __.__.____].

Clique aqui e acesse videoaulas no 'Canal Prof. Wellington Lunz'.


 
professor wellington lunz

Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Tem se empenhado em transmitir conhecimentos baseados em evidência em diferentes áreas (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site, e-mail: welunz@gmail.com.br  





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