Prof. Dr. Wellington Lunz
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Há quem me pergunte 'como emagrecer e ganhar músculo?' E eu respondo 'ganhe músculo e emagreça'.
Eu basicamente unifico as coisas, e proponho uma relação causa-efeito. Claro, eu seria demagogo em simplificar tão demasiadamente algo tão complexo como a obesidade. Mas temos boas evidências mostrando que: 'para se manter magro é preciso aumentar a massa muscular'.
E não tem a ver com o aumento do gasto energético basal (o qual é muito pouco) induzido pelo aumento da massa muscular, e nem a ver com o gasto energético durante o treinamento (que também é insuficiente).
Na verdade, me refiro ao fato de que a massa muscular gera um efeito de resistência à obesidade. A coisa é mais sofisticada. Explicarei a seguir.
Tenho estudado músculo esquelético e hipertrofia muscular há pelo menos 15 anos. E quem passa por um processo desses não consegue chegar ao fim sem se tornar um ativista do aumento da massa muscular.
Mas não se trata de uma hipertrofia “ilimitada”, e nem a qualquer preço. Trata-se de ganhos de massa muscular objetivando prevenir e aumentar a reserva de saúde. Também já fiz um post (aqui) sobre a importância do músculo esquelético para a saúde.
O músculo esquelético secreta mais de 650 miocinas, que são moléculas produzidas pelo músculo e que agem como hormônios (Pedersen e Severinsen, 2020). Essas miocinas agem positivamente na maioria dos órgãos humanos. Considerando que o músculo esquelético representa ~40% do peso corporal, estamos falando do maior órgão endócrino do corpo humano.
Há clara associação entre músculo esquelético e proteção contra mortalidades, por causas agudas e crônicas, incluindo pessoas hospitalizadas (Laitano et al., 2021; Paluch et al., 2023; Benz et al., 2024). Há ainda o benefício estético, que é bastante importante para a saúde psicológica (ex: autoestima).
Mas voltando ao tópico. Fiz um post há algum tempo (esse aqui) mostrando como o ganho de massa muscular gera resistência à obesidade.
Mas quase todos que não são da área acadêmica e científica em saúde relatam muita dificuldade de entender a postagem. Então fiz esse post resumido, mais fácil, para contemplar mais pessoas. Quem depois quiser se aventurar no post mais desafiador, clique aqui.
Eu já havia feito um post mostrando que a administração por 1 ano de um medicamento chamado bimagrumab (aqui) reduziu gordura corporal em 20%, e aumentou a massa muscular em ~3,6% (sem exercício físico).
É intrigante que eu (e muitos) percebo que quando estou mais hipertrofiado, em virtude de treinamento de força, posso ingerir alimentos sem preocupação com a ingestão calórica. Mas, quando estou sedentário, tendo a ganhar gordura mesmo restringindo bastante a alimentação. Isso sempre me deu a impressão de que músculos geram um certo freio ao ganho de gordura.
De fato, o efeito do treinamento de força na manutenção do peso magro e no emagrecimento não tem como ser explicado pelo pequeno aumento do metabolismo basal causado pelo ganho de massa muscular.
Para se ter uma ideia, cada 1 kg de músculo que a gente ganha contribui com apenas ~12 kcal ao dia. Se você, por exemplo, ganhar 10 kg de massa muscular (que é muita coisa), sua taxa metabólica basal aumentará só ~120 kcal por dia. Isso é menos kcal que 2 bombons. E ganhar 10 kg de massa muscular é bem difícil.
E o gasto energético causado pelo treinamento de força clássico (esse que habitualmente fazemos em academias) também não parece suficiente para reduzir gordura corporal (Ismail et al., 2012; Chang et al., 2021). Além disso, a relação entre exercício e gasto energético não é tão linear como as pessoas pensam. Há muitas evidências intrigantes mostrando como a coisa é bem mais complexa (Antonio et al., 2015; Ross et al., 2015; Cadegiani et al., 2019; Careau et al., 2021).
Parece que apenas treinamentos atléticos são realmente capazes de gerar gasto energético suficiente para gerar perda de massa gorda. E, mesmo assim, há sugestão de que os nutrientes energéticos precisam estar corretamente prescritos (Cadegiani et al., 2019), senão o efeito é reverso.
Então, como a massa muscular poderia contribuir para nos manter magros?
São exatamente os estudos com o medicamento bimagrumab (Rooks et al., 2014; Garito et al., 2017; Heymsfield, et al., 2020) que jogam luz no mecanismo.
Esse medicamento diminui a ação de um receptor celular (chamado de ActRII). Quando esse receptor é estimulado, age ativando uma via molecular (via da miostatina) que reduz ou dificulta o ganho de massa muscular, e, ao mesmo tempo, aumenta o ganho de gordura.
Resumindo, quando esse receptor é ativado, ele inicia uma cascata molecular dentro da célula que freia o ganho de massa muscular e acelera o acúmulo de gordura.
Temos evidências sugerindo que o ganho de massa muscular reduz a ativação desse receptor, gerando resistência ao ganho de gordura (Guo et al., 2009; Allen et al., 2011).
Como exatamente isso acontece, é que ainda não está claro. As hipóteses, não excludentes (podem ser todas verdadeiras), são:
1) O treinamento de força reduz a expressão da miostatina (miocina que ativa o receptor) (Roberts et al., 2023);
2) Como o aumento do músculo, mesmo sem exercício físico, tem ação nessa resistência à obesidade (Guo et al., 2009), um possível mecanismo seria via alguma miocina com capacidade de inibir a ação da miostatina (ou o receptor);
3) Via roubo ou sequestro energético: o músculo aumenta a captação de glicose, o que diminui a disponibilidade de glicose para a síntese de gordura (Guo et al., 2009).
Logo, o efeito benéfico do treinamento de força em prevenir o ganho de gordura não teria a ver com a magnitude do gasto energético, mas com alterações metabo-fisiológicas.
E qual a importância disso?
É que faz mais sentido ganhar massa muscular (que não demanda grande volume de treino; veja esse post aqui) do que fazer alto volume de exercício para aumentar o gasto energético.
Mas não se deve concluir com esse post que o ganho de massa muscular impede totalmente o ganho de gordura. A sugestão é que o ganho de massa muscular gera ‘resistência à obesidade’. Além dos benefícios à saúde, isso te permite maior conforto alimentar, pois não só você poderá se privar menos, como efetivamente terá que se alimentar mais e melhor.
Recentemente, tivemos a notícia da fatalidade da morte do fisiculturista bielorusso Illia "Golem" Yefimchykera, com apenas 36 anos. Um dos maiores gigantes que já vi em termos de massa muscular. Ele dizia consumir 16.500 kcal por dia.
Como ele tinha ~155 kg de massa corporal, seu gasto energético basal devia ficar em torno de 4.000 Kcal. Ou seja, ele teria que gastar mais ~12.500 kcal/dia (16.500 - 4000 = 12.500) com esforços físicos para poder não engordar. Gastar tudo isso com exercícios é muito improvável. Isso é gasto de ultramaratonista!
Pelos meus cálculos aproximados, usando uma calculadora online (aqui), se ele fizesse o exercício supino com 100 kg (considere 1 metro de deslocamento, apenas fase concêntrica, e 1 segundo por execução), ele precisaria fazer 1h de supino, sem parar, para gastar apenas ~860 kcal. Seriam 3.600 repetições sem pausa (é impossível, claro... é apenas ilustrativo).
Mesmo multiplicando esse valor por 4 (considerando que a eficiência da conversão de energia química em mecânica é baixa; sugere-se ~25%), teríamos gasto de 3.440 Kcal.
A mesma lógica para o exercício agachamento, ou seja, 1h de agachamento sem pausa, considerando carga de 300 kg (já incluindo o peso corporal), eu chutaria, no máximo, o dobro de gasto calórico do supino.
Percebam que estou colocando coisas impossíveis de serem feitas. Uma série de exercício não costuma passar 30 segundos. Estou simulando com 3.600 segundos sem pausa (daria 120 séries sem pausa), e, mesmo assim, seria difícil gastar as ~12.500 kcal por dia.
Fiz umas simulações adicionais aqui: 'se ele, diariamente, fizesse 10 séries de 10 exercícios típicos de academia, isso daria, no máximo, umas 4.000 Kcal'. Também é impensável que anabolizantes teriam efeito direto tão grande no gasto energético. Seu maior efeito é no aumento da massa muscular.
Então, como esse fisiculturista não se tornou um mega obeso? Penso que os mecanismos descritos nesse post ajudem a explicar. E como transformar todo esse conhecimento em resultado?
Contrate um/a profissional de educação física estudioso/a (atento aos novos conhecimentos... posso indicar alguém) e profissional de nutrição com competência muito acima da média (no banner abaixo indico duas nutricionistas referências):
Então é isso! Torço que tenha gostado. Quando escrevi esse post, já haviam mais que 80 publicados aqui no meu Blog. Há muito conhecimento gratuito. Aproveite! E se inscreva na Newsletter para receber os novos posts.
Lunz, W. Como emagrecer? Resp: Ganhe massa muscular! Ano: 2024. Link: https://www.wellingtonlunz.com.br/post/como-emagrecer-e-ganhar-musculo [Acessado em __.__.____].
Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Também tem um canal no YouTube: (youtube.com/@prof.wellingtonlunz) onde transmite conhecimentos baseados em evidência de diferentes áreas (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site, e-mail: welunz@gmail.com.br
Comments