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Por que a hipertrofia acontece?

Atualizado: 15 de jul.


Porque a hipertrofia muscular ocorre?

Prof. Dr. Wellington Lunz

Eu terminei o post ‘Hipertrofia NÃO te deixa forte?’ com duas questões a responder. Uma era:

Se a hipertrofia muscular ‘não’ explica a força, então ela serve para quê?

Essa questão eu já respondi no post ‘Por que devemos aumentar a massa muscular?’. E vale muito a pena lê-lo. Você verá que a massa muscular protege, emagrece e pode até te salvar.

A segunda questão é basicamente essa que está no título desse post.

De fato, a hipertrofia muscular não é a principal explicação do aumento da força decorrente de um treinamento de força. E você certamente já viu pessoas muito musculosas que são menos fortes que pessoas atléticas, mas com bem menos músculos.

Certa vez eu explicava em aula essa baixa associação entre ‘hipertrofia e força’, e um estudante fez essa ótima questão:

Mas se a hipertrofia não é o principal contribuidor da força muscular, então por que ela acontece quando fazemos treinamento de força?

Considerando que ter mais massa muscular significa também maior demanda orgânica e energética para manter essa massa, do ponto de vista evolutivo parece contraintuitivo essa hipertrofia muscular.

E certamente os mecanismos que contrarregulam esse aumento da massa muscular (ex: miostatina) não existem à toa.

Mas já antecipei no post ‘Por que devemos aumentar a massa muscular?’ que esse aumento de massa muscular é justificável. Mas por que acontece? Vou apresentar minha tese:

Muito provavelmente esse aumento de massa muscular esteja mais associado a Síndrome da Adaptação Geral (SAG), proposta por Hans Selye, a qual foi posteriormente rebatizada pelo próprio Selye como simplesmente ‘resposta ao estresse’.

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Hans Selye, Austro-Húngaro, foi um médico endocrinologista que dedicou a vida científica a entender as respostas ao estresse. Morreu em 1982. Eu estava com 4 anos de idade.

Mas os registros históricos são tão importantes que, tanto eu quanto você, podemos vê-lo nesse vídeo dizendo algo mais ou menos assim: ‘só a morte elimina o estresse’.

A SAG refere-se a um conjunto de reações inespecíficas desencadeadas quando o organismo é exposto a um estímulo ameaçador, buscando a manutenção da homeostase.

Há muito material bom sobre a SAG na internet. Esse conceito é amplamente usado na patologia. Vou fazer (abaixo) um resumo da SAG para, depois, eu poder mostrar a você a relação entre ‘hipertrofia e SAG’.

Se você já conhece bem a SAG, pode saltar para depois do segundo banner que você encontrar abaixo. Se não conhece bem, vale a pena dedicar alguns minutos nesse meu resumo a seguir.

Hans Selye, ainda durante sua graduação em medicina, percebeu que pacientes com diferentes doenças apresentavam um conjunto comum de sintomas. Isso despertou nele o interesse de entender as causas.

Na década de 1930, já como cientista iniciante, Selye verificou que ratos expostos a diferentes agentes estressores, como o frio, drogas, e lesões cirúrgicas (e até estresses psicológicos) geravam um padrão comum de respostas orgânicas.

Aliás, o termo estresse, que usamos no âmbito biopsíquico, parece que devemos a Hans Selye.

Essa resposta comum tem característica trifásica. Uma fase inicial que ele chamou de alarme (subdividida em choque e contra-choque), seguida pela fase de resistência (ou adaptação) e, finalmente, a fase chamada de exaustão.

Selye conceituou a fisiologia da resposta ao estresse como tendo dois componentes:

Um em que o organismo é capaz de se adaptar e resistir ao evento nocivo. Isso é o que ele chamou inicialmente de "síndrome de adaptação geral".

Mas se o estresse for contínuo, de modo que o organismo não consiga mais enfrentar, então passa-se ao segundo componente, que é patológico, e que conduz o organismo à morte.

Para dar um exemplo prático. Se você injetar uma substância nociva em diferentes organismos, ou submeter a estresse psicológico, verá respostas fisiológicas similares nos diferentes organismos, as quais obedecem a um curso temporal.

Na fase de alarme vê-se inicialmente redução das respostas de resistência associadas a sintomas característicos (fase de choque), seguida por um rápido enfrentamento orgânico (contra-choque).

Na fase de choque, que pode durar de minutos a várias horas, é quando o organismo manifesta sinais de que está sendo agredido por um agente nocivo.

Eu gosto de associar essa fase com o radical ‘hipo’. Pois nessa fase é comum ocorrer hipotensão (daí o fato de desmaios serem comuns), hipotermia, hipocloremia, hipotonia (fraqueza muscular), depressão do sistema nervoso, catabolismo celular, leucopenia, entre outros. A glicemia costuma ter resposta difusa.  

Mas nessa fase também já começam respostas reativas do corpo. É possível identificar alterações neuroendócrinas, em especial do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e do sistema nervoso autonômico, que repercutem em alterações imunológicas, metabólicas, hemodinâmicas e do tônus muscular. São respostas precursoras da fase seguinte, que é o contra-choque.

O contra-choque é a manifestação de que o corpo está reagindo. Os sintomas são contrários à fase de choque. E por isso gosto de associar ao radical ‘hiper’.

Aqui é comum ocorrer hipertensão, hipertermia (a febre é um sinal de contra-choque), hipercloremia, hiperglicemia, hipervolemia, leucositose, entre outros.

Nessa fase já é possível identificar inchaço e aumento da atividade secretora do córtex adrenal. Há tendência de atrofia do baço e de estruturas linfáticas.  Pode ocorrer ulcerações gástricas e duodenais.

É uma fase de reação e reversão dos eventos negativos da fase de choque. É interessante destacar que dependendo da agressividade da fase de choque, o contra-choque sequer tem tempo de ocorrer, e a morte ocorre antes dessa reação.

Na sequência temos a fase de resistência. Nessa fase o organismo consegue se adaptar ao novo ‘normal’. O organismo resiste ao agente estressor.

Entretanto, o aparente equilíbrio dessa fase não é necessariamente inofensivo. Não significa exatamente uma vitória. Pode apenas significar contenção.

Essa fase exige dedicação permanente do organismo. Há, inclusive, as chamadas doenças adaptativas, porque ocorrem nessa fase.

Essas doenças adaptativas são como efeitos colaterais dessa ‘guerra orgânica’. Há uma tese de que essas doenças adaptativas ocorram exatamente porque o organismo tem se dedicado muito no enfrentamento de um agente estressor, ficando assim mais suscetível a estressores diferentes. 

As doenças psicossomáticas seriam bons exemplos disso. Diante de estresse mental permanente é comum que outras doenças se desenvolvam, como ulcerações e doenças cardiovasculares.

Mas o organismo pode tanto vencer o agente agressor quanto, dependendo do tipo de estressor, conviver bem e até obter efeitos colaterais positivos. Um bom exemplo é o exercício físico bem dosificado.

Se isso ocorrer, terá restabelecido o estado de saúde e homeostase. E terá, inclusive, uma herança positiva. Ou seja, obterá uma memória dessa luta, que ajudará o organismo a ser mais eficaz se tiver que enfrentar esse agente novamente.

É mais ou menos o que se pretende com as vacinas. Ou seja, entrega-se um agente cuja atividade letal está neutralizada, e o organismo vence com facilidade.

E com isso adquire uma memória, na forma de anticorpos específicos, para enfrentar com eficácia o 'agente nocivo' quando infectado.

Mas se o inimigo não for vencido, entra-se na terceira fase, chamada de Exaustão. Nessa fase o sistema de enfrentamento chega ao esgotamento. O organismo colapsa e morre.  

Essa fase pode até se assemelhar fisiologicamente com a ‘fase de choque’, exatamente porque o corpo não está mais conseguindo enfrentar. Alguns chamam de fase de descompensação. 

Como é possível perceber nessa minha breve explicação, há estressores que o organismo pode vencer ou conviver bem com ele. E agora você vai entender facilmente minha associação entre hipertrofia muscular e SAG.

O trabalho muscular repetitivo é classicamente considerado um agente estressor (veja Flozi, 1947).

O exercício físico está na lista desses agentes que podemos dosificar de modo que o organismo consiga se adaptar e obter efeitos positivos desse estresse. Há outros exemplos também. Vários medicamentos seriam venenos se não fossem dosificados de modo a gerar um efeito brando.

Um remédio bastante famoso na redução da pressão arterial foi obtido do veneno de jararacas. Tornou-se, creio, o mais vendido por muitos anos. Orgulhosamente foi obtido por um cientista brasileiro, na década de 1980, salvo engano. Na dose certa, esse ‘veneno’ apenas reduz a pressão arterial, mas na dose biológica, de uma jararaca, pode matar.

O exercício de força é um estresse. Gera tensão mecânica nas células musculares. Pode danificar as células em diferentes níveis.

A hipertrofia muscular decorrente desse treinamento seria exatamente para tornar a célula resistente ao estresse mecânico, e não necessariamente para aumentar a força muscular.

Gosto muito de um exemplo que literalmente viví na pele, numa época que eu sequer imaginava como seria meu futuro.

Sou filho de lavrador, e ajudei meu pai na roça durante minha infância e adolescência. Quando nossas mãos estavam desacostumadas, e trabalhávamos o dia inteiro no ‘cabo de enxada’, o resultado era mãos em carne viva ao final do dia. 

Mas se o trabalho na enxada fosse dosado, um pouco por dia, o que percebíamos era a formação de calosidades (calos) nas mãos. Ou seja, se  estressássemos as mãos, mas déssemos  tempo de recuperação, calos eram formados para servir de barreira física.

Se você exercita em academias de musculação sem luvas, já deve ter vivido coisa similar.

As calosidades não são músculos, mas sua formação tem o mesmo propósito: Gerar uma estrutura tecidual capaz de suportar o estresse mecânico. No caso da enxada, há tanto o estresse de tensão quanto o de shear stress (cisalhamento).

Algo similar ocorre em relação à exposição ao sol. Se você ficar horas no sol, poderá ter queimaduras graves. Mas se diariamente você pegar um pouco de sol, o organismo produzirá melanina para ajudar a proteger contra a radiação solar.

Não fará milagre, mas a lógica orgânica é a mesma. Ou seja, adaptar-se. Cria-se uma estrutura para resistir.

Veja que não é muito diferente do que fazemos na vida. Nossos corpos são coletivos de células. Imagine que uma enchente moderada derrube o muro da sua casa. Quando a enchente cessar, o que provavelmente você fará? O mais provável é que você faça um muro mais robusto.

Então, penso que a hipertrofia muscular, enquanto resposta ao treinamento de força, esteja mais associada a uma adaptação ao estresse tecidual. Uma resistência ao agente estressor.

Mas, nesse caso, o aumento dessa massa muscular não é patológico. Pelo contrário, como mostrei em posts anteriores (aqui e aqui), produz vários efeitos benéficos.  

Então é isso amiga e amigo... E se você gostou, compartilhe com colegas e amigos/as ou em suas redes sociais. E quem quiser receber as novas postagens deste Blog, basta clicar aqui para se inscrever na Newsletter.

E, como habitual, em tempos de escritas por inteligência artificial (ex: chatGPT e Gemini), vale dizer que essa postagem não usa isso... é feita exclusivamente das minhas leituras e interpretações ao longo da minha trajetória. E se você quiser citar este post, pode ser mais ou menos assim:

Lunz, W. Por que a hipertrofia acontece em resposta ao treinamento de força? Ano: 2024. Link: https://www.wellingtonlunz.com.br/post/como-acontece-a-hipertrofia-muscular [Acessado em __.__.____].

 
professor wellington lunz

Autor: Wellington Lunz é o proprietário desse Blog e do site www.wellingtonlunz.com.br. Tem se dedicado em transmitir conhecimentos baseados em evidências em diferentes áreas do conhecimento (ex: hipertrofia muscular, treinamento de força, musculação, fisiologia do exercício, flexibilidade). É bacharel e licenciado em Educação Física, Mestre em Ciência da Nutrição e Doutor em Ciências Fisiológicas. Atualmente é Professor Associado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Contato pelo site ou e-mail: welunz@gmail.com.br  





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2件のコメント

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Elis Aguiar Morra
Elis Aguiar Morra
5月07日
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Excelente texto. De fácil leitura e bem evidenciado. Parabéns!

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Blog Prof. Wellington Lunz
Blog Prof. Wellington Lunz
5月07日
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Muito grato, Dra Elis! 😊

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