'Constantemente "estímulos" para a prática de exercícios físicos com os dizeres “Vamos lá! Deixe de preguiça!” são direcionados a pessoas com dificuldades em aderir a um programa de exercício físico...'
Autoria: Sabrina Pereira Alves, Camila Moreira, Lenice Brum Nunes, Zirlei Vidal Soares, Carla Zimerer.
Atualmente é amplamente difundida a informação de que a prática regular de atividade física previne o surgimento de várias doenças, incluindo as cardiovasculares, como infarto agudo de miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC), que são as principais causas de mortalidade no mundo (GUTHOLD et al., 2018; ALTHOFF et al., 2017).
No entanto, mesmo com tantas informações disponíveis acerca dos benefícios do exercício físico, mais de um quarto da população adulta mundial não consegue atingir as recomendações mínimas de atividade física semanal da Organização Mundial da Saúde (150 min de intensidade moderada ou 75 minutos de intensidade alta) (GUTHOLD et al., 2018).
Também no Brasil essa realidade não é diferente, já que 61% dos adultos não apresentaram níveis satisfatórios de atividade física no tempo livre (67,6% de mulheres e 53,3% de homens são fisicamente inativos) (ALTHOFF et al., 2017, VIGITEL, 2019). Mas, por que será que isso acontece?
Ainda hoje é muito comum que o termo 'preguiça' seja empregado para justificar a inatividade física. Constantemente "estímulos" para a prática de exercícios físicos com os dizeres “Vamos lá! Deixe de preguiça!” são direcionados a pessoas com dificuldades em aderir a um programa de exercício físico. No entanto, a ciência indica que a 'preguiça' não parece ser a explicação para a inatividade física. Este fenômeno pode ser melhor explicado pela interação entre fatores de natureza ambiental, social e psicofisiológica (BAUMAN et al., 2012; LIGHTFOOT et al., 2018).
Os fatores ambientais estão relacionados à interação do indivíduo com o meio que ele vive e as possibilidade de engajamento em rotinas de atividade física. Por exemplo: Projeto de bairro, instalações e locais de recreação, meio de transporte, etc. De fato, se a pessoa mora numa região onde não há calçamento ou vias exclusivas para pedestres, praticar uma caminhada pode ser um grande desafio.
Já os fatores sociais abrangem questões como renda, condição socioeconômica, educação e apoio social de amigos e colegas. Por exemplo, pessoas com baixa renda possuem dificuldade/impossibilidade de acessarem locais privados que fornecem opções de práticas de exercícios físicos, como clubes ou academias.
Os fatores psicofisiológicos, por sua vez, são características individuais que agregam três subdivisões: fisiológico, psicológico e genético. Do ponto de vista fisiológico podemos destacar: a idade, condição de saúde ou aptidão, sobrepeso ou obesidade. Por exemplo, pessoas com doenças osteoarticulares-artrose, osteoporose, entre outras, podem apresentar maior limitação em aderir a um programa de exercício físico.
Por outro lado, os fatores genéticos são aqueles não modificáveis e que determinam a predisposição (ou pré-indisposição) inata para participação e persistência em uma rotina de atividade física. Estudos realizados em humanos (gêmeos e familiares) identificaram que o componente hereditário (herdabilidade) contribui de forma moderada a alta no nível de atividade física de uma pessoa (BAUMAN et al., 2012).
Além disso, em humanos já foram identificadas localizações cromossômicas associadas à atividade física e ao comportamento sedentário (VAN DE VEGTE et al., 2020).
Em relação aos fatores psicológicos podemos destacar a intenção de se exercitar, a autoeficácia (ex: a sensação de bem-estar adquirida ao executar determinada tarefa) e a resposta afetiva ao exercício (BANDURA, 1977; LIGHTFOOT et al., 2018; REN et al., 2020).
A resposta afetiva ao exercício, embora pouco considerada e avaliada durante a implementação de um programa de exercício físico, pode ser um fator decisivo para a aderência e, consequentemente, no nível de atividade física da pessoa. Isso porque vivenciar experiências associadas ao prazer ou desprazer pode criar uma memória positiva ou negativa acerca da prática do exercício físico. Por exemplo, se a pessoa realizou determinado exercício e sentiu desprazer durante a prática, é muito provável que essa experiência ruim fique marcada em sua memória e que ele evite repetir.
A resposta afetiva pode ser estimada pela 'escala afetiva' (EA). A EA é uma ferramenta acessível e de baixo custo que permite avaliar a resposta afetiva durante e após o exercício. Trata-se de uma escala de 11 pontos, variando de +5 a -5 (Veja a Figura 1 abaixo). O valor +5 refere-se a “sentir-se muito bem”, o valor 0 (zero) refere-se a “sentir-se neutro”, e o valor -5 a “sentir-se muito mal” (HARDY & REJESKI, 1989; ALVES et al, 2018) .
Interessantemente a resposta afetiva ao exercício é fortemente influenciada pela intensidade. Foi constatado que quando a intensidade do exercício aeróbio é alta, ou seja, excede os marcos fisiológicos (limiar ventilatório ou limiar de lactato), as respostas afetivas tendem a ser mais negativas e influenciadas por fatores interoceptivos (dor, fadiga, acúmulo de lactato), conforme explica a teoria do modelo dual. Já quando a intensidade é baixa ou moderada, a resposta afetiva parece ser mais positiva e influenciada por fatores cognitivos, como a autoeficácia (ou seja, a confiança que as pessoas possuem nas suas capacidades de exercer determinada sessão de exercício, com o objetivo de alcançar um resultado muito aguardado, como o ganho de massa muscular ou melhora da aptidão física) (BANDURA, 1977; EKKEKAKIS et al., 2008; RHODES et al., 2017; REN et al., 2020).
O mesmo padrão de respostas afetivas parece ocorrer durante o exercício de força, uma vez que em alta intensidade parece promover uma menor sensação de prazer quando comparado ao exercício realizado em intensidade baixa e moderada (FOCHT et al., 2015; PORTUGAL et al., 2015).
Portanto, compreender os fatores que envolvem a inatividade física nos permite adotar uma visão mais abrangente acerca das barreiras à aderência ao exercício físico e buscar estratégias de intervenção, desconstruindo a ideia de que quem não o pratica seja meramente 'preguiçoso'. Especialmente as/aos profissionais de Educação Física, adotar essa visão mais ampla pode favorecer a implementação de ferramentas, como a avaliação e ajuste de intensidade para gerar repostas afetivas mais positivas que auxiliem a aderência ao programa de treinamento.
Até o próximo post!
Clique aqui e acesse videoaulas no 'Canal Prof. Wellington Lunz'.
REFERÊNCIAS:
As referências estão como link nos autores descritos no post.
Autoria:
Comentários